CARTA DA MÃE ALENTEJANA

Há algum tempo publiquei aqui a carta da mãe alentejana a seu filho, pois bem esta é de outra mãe e vai também a resposta do filho alentejano:

Querido filho,Te escrevo estas linhas para que saibas que estou viva.

Te escrevo devagar, porque sei que tu não consegues ler rápido.

Bom, não vais mais reconhecer a casa quando vieres, porque a gente mudou.

Finalmente enterramos teu avô. Encontramos o cadáver, com esse negócio de mudança; estava no armário desde aquele dia em que ganhou da gente brincando de esconde-esconde.

Hoje tua irmã Júlia teve um filho, mas, como ainda não sei se é menino ou menina, não posso dizer se você é tio ou tia.

Quem não tem aparecido aqui é o Tio Venâncio, que morreu totalmente no ano passado.

E teu primo Jacinto, que sempre acreditou ser mais rápido que um touro comprovou que não era, o problema agora é o de ele sentar.

Estou preocupada com o cachorro Boby, que insiste em correr atrás de carros parados, e está ficando cada vez mais chato.AH!

Finalmente os engarrafadores de refresco tiveram a grande idéia de pôr um letreiro na tampinha que diz: "Abra por aqui". O que achas?

Teu irmão José fechou o carro com a trava e deixou as chaves dentro; teve que ir em casa buscar a chave duplicata e poder tirar todos nós de lá de dentro do carro.

Esta carta te mando com Manolo, que vai amanhã para aí.

A propósito, será que podes pegá-lo no aeroporto?

Bom, meu filho, não escrevo o endereço, porque não o sei.

É que a úiltima família portuguesa que vivia aqui nesta casa levou os números pra não ter que mudar de endereço.

Se encontrares a dona Maria, dá uma alô da minha parte; caso não a encontres, não precisas dizer nada.

Tua mãe que te ama:

EUP.S.: Ia te mandar cem escudos, mas já fechei o envelope.

RESPOSTA DO FILHO ALENTEJANO A SUA MÃE

Querida mãe,

Se receberes esta carta é porque ela te chegou; caso contrário, avisa-me que eu volto a enviar.

Recebi a carta que enviastes pelo Manolo, mas como o estúpido só me entregou no dia seguinte de sua chegada, não pude ir buscá-lo no aeroporto.

Gostei muito de saber que estás viva, mas teria gostado muito mais se tivesses mandado os cem escudos. Entendo que já tinhas fechado o envelope, mas podia ter enviado o dinheiro por fax.

Se calhar a não entenderes minha letra, é porque eu decidi escrever o mais rápido possível.

Sabes que não estranho nada o que aconteceu com o avô. Sempre achei muito esquisito que aquele armário se tivesse fechado por dentro.

Já sei porque é que meu pai não te ouve: ele anda a usar o rádio de pilha que era pra eu trazer. Tu colocastes o aparelho para surdez na minha mala em vez do rádio. Não te culpo, pois são tão parecidos que qualquer pessoa se confunde. Eu mesmo passei 6 meses a pensar que, como comprei o rádio aí no Alentejo, eu não podia ouvir daqui em Lisboa.

Diz a Júlia que eu mando muitas felicidades pelo bebê e que me avise o quanto antes se sou tio ou tia. É que se for tia vou ter que cortar o bigode.

Não dei os teus cumprimentos à dona Maria porque ainda não a encontrei, mas falei com ela pelo telefone esta manhã e ela estava bem.

Eu estou mais ou menos. No primeiro emprego que tive só estive três dias. Contrataram-me para pintar um risco branco na estrada. No primeiro dia pintei cinco quilômetros; no segundo, pintei três, e no terceiro pintei um. O encarregado despediu-me porque cada dia pintava menos. Eu expliquei-lhe que isso era porque a cada dia a lata de tinta ficava mais longe, Não adiantou: fui despedido assim mesmo.

Já arranjei uma namorada, chama-se Pilarica e é uma moça do Algarve, conheci-a numa festa e vi logo que era do Algarve porque tinha uma blusa de alças com ombreiras.

Bem, por hoje é tudo, não mando cumprimentos para o pai porque eu sei que ele não vai ouvir, mas recebe o carinho do teu filho.

Joaquim

P.S.: Espero que o carteiro saiba o endereço.