ENTRESSEIO

s.m. 1-vão, cavidade, depressão. 2-espaço ou intervalo entre duas elevações. HUMOR, CURIOSIDADES, UTILIDADES, INUTILIDADES, NOTÍCIAS SOBRE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE BENS CULTURAIS, AQUELA NOTÍCIA QUE INTERESSA A VOCÊ E NÃO ESTÁ NO JORNAL QUE VOCÊ COSTUMA LER, E NEM DÁ NA GLOBO. E PRINCIPALMENTE UM CHUTE NOS FUNDILHOS DE NOSSOS POLÍTICOS SAFADOS, SEMPRE QUE MERECEREM (E ESTÃO SEMPRE MERECENDO)

27 novembro, 2006

DEPOIMENTO DE UM CONTROLADOR DE VOO

Para quem acha que não corremos riscos aéreos ai vai um depoimento convincente...

O GOVERNO TAMBÉM NÃO SABIA???
A quem interessar possa, venho demonstrar meu repúdio por tudo o que andam fazendo,
especulando, dizendo e concluindo erradamente sobre a atual situação de caos que foi
implantada temporariamente (ou só Deus sabe até quando) em nosso sistema aeroviário.
Estamos vivendo na "Republiqueta" do faz de conta. Me engana que eu gosto! E tantas
outras expressões que podem exemplificar o que está acontecendo agora como se fosse uma
tragicomédia. ..
O caos que estamos acompanhando agora sobre o tráfego aéreo, é a mais dura realidade
que ao longo dos últimos anos vem achatando cada vez mais a atividade de controlador de vôo.
Ao longo de trinta anos de serviço nesta atividade, pude acompanhar muitas mudanças.
O tráfego aéreo mundial aumentou muito e no Brasil não poderia ser diferente. Somos um
país de dimensões continentais e o avião é o mais rápido e seguro meio de transporte para
atingirmos determinadas regiões. Nós controladores de vôo trabalhamos em uma atividade
desconhecida, porém de alto dinamismo, rapidez de raciocínio e decisões sem erros para
que todas as aeronaves civis, militares, comerciais, executivas e particulares possam voar
com segurança. Até agora éramos praticamente desconhecidos do grande público e com
certeza daqui a alguns dias seremos execrados pela grande massa por conta de estarmos
"atrapalhando" suas vidas com a demora nas viagens aéreas.
O que todos precisam saber é que ao longo dos anos, nós sempre fomos relegados ao segundo
plano. O povo brasileiro e os usuários da aviação desconhecem, por exemplo, que os nossos
vencimentos (salário) são irrisórios (faz-me rir). Que a nossa carga de trabalho é alta.
Que o nível de estresse da função é considerado "o segundo maior" entre as milhares de
atividades do ser humano. Que a maioria de nós trabalha em grandes centros urbanos, onde o
custo de vida é alto e nossos salários baixos não nos permitem dar mínimas condições de vida
aos nossos familiares.
Que por sermos militares de carreira (graduados) não podemos (devemos) reclamar por conta de
sermos considerados insubordinados e sermos punidos militarmente. Que não existe nenhum
plano de carreira para nós, porque somos militares e recebemos como tal.
Não recebemos como controladores de vôo, até porque a profissão (pasmem) não é reconhecida.
Isto sem falar em nossos companheiros controladores "civis" que por ocasião da inauguração do
Cindacta I (Primeiro Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo em Brasília)
em meados da década de setenta foram formados e começaram a trabalhar imediatamente,
pois a Aeronáutica precisava urgentemente de controladores.
Estes companheiros ao longo dos anos foram sendo "humilhados" de tal forma, que hoje os
vencimentos deles são "inferiores" aos de um controlador militar recém chegado a "rede"
para trabalhar. É uma ignorância!
Que além de exercermos nossa atividade, muitos de nossos companheiros ainda são obrigados
a trabalharem nos quartéis "armados" em dias de folga na escala de serviço normal. Afinal ainda
somos militares. Que não temos finais de semana livre. Como trabalhamos por escala obedecendo
a horários diferentes durante dias alternadamente, esta mesma escala de serviço prevê apenas um
final de semana livre por mês. Nos demais estaremos sempre escalados em um ou dois dias do final
de semana de serviço. Com isto deixamos de acompanhar o crescimento de nossos filhos.
Deixamos de curtir finais de semana prolongados por feriados, como a maioria das famílias com certeza faz.
Deixamos de estar com nossos familiares em épocas em que a maioria das famílias está reunida,
como Natal, Ano Novo e até datas particulares como aniversários, casamentos, encontros de família.
Tudo isto por conta da abnegação de sermos controladores de vôo. Que perdemos tantas noites de sono,
porque nossa escala alterna períodos da manhã, tarde e noite. Nosso serviço é prestado vinte e quatro horas
por dia, todos os dias do ano. Que muitas vezes somos obrigados a buscar alternativas de trabalho para
aumentar nossa renda.
Por causa disto é comum companheiros atingirem alto grau de exaustão no serviço, o que representa
um risco enorme para a segurança do tráfego aéreo. Que o nosso serviço é altamente especializado e
que as pessoas envolvidas tem de ter o "Dom" para exercê-la. Não se encontram controladores na rua.
Não existem classificados de jornais oferecendo emprego de controladores. Controladores de vôo são
acima de tudo pessoas altruístas. Dedicadas ao seu trabalho sem interesses promocionais.
Somos apenas vozes orientando os comandantes e pilotos qual o melhor caminho a ser seguido e mantê-los
voando em segurança. Controladores são formados em escolas especializadas e levam pelo menos quatro anos
para atingirem o grau de proficiência adequado no exercício da função. Neste período estarão sendo assessorados pelos profissionais mais antigos.
A realidade hoje é bem diferente da de alguns anos atrás. Os salários foram sendo reduzidos. Lembrem-se
sempre que nossos vencimentos são equivalentes à função de sargento da FAB, independente de sermos
controladores. Não temos diferenciação dos demais companheiros de arma. Apesar de desempenharmos
uma função dedicada quase que exclusivamente a aviação civil. Apesar de prestarmos um serviço de alto risco
e padrão, não somos reconhecidos por isto. É claro que aqui não estão inclusos os aeronautas, com certeza
estes reconhecem a nossa capacidade e valor! A formação de novos controladores foi-se deteriorando com o
tempo. Como tínhamos necessidades urgentes de novos controladores, muitos dos que entraram na profissão
foram contra a própria vontade, ou seja, foram praticamente obrigados uma vez que na escola de formação (militar)
havia muitas vagas para serem preenchidas.
Lembro-me com muita tristeza da época em que escolhi a minha especialidade e da "guerra" que era para
se conseguir vaga no curso de controle de vôo. Fazíamos testes e testes. Perfil psicológico e muitas coisas mais.
Hoje em dia encontramos pessoas na especialidade sem o perfil ideal. Por conta de nosso mercado de trabalho
ruim e decadente, onde um emprego como o nosso cujo salário inicial (em torno de R$ 1.500,00) é considerado
"muito bom" para os padrões nacionais, muitas pessoas acabam se sujeitando a permanecer na especialidade.
Ao chegarem a "rede" para trabalhar é que geralmente se dão conta da responsabilidade, e é muito comum serem
afastados por motivos de doença ou psicológicos. Alguns companheiros foram afastados por estresse emocional,
agravando ainda mais a situação caótica.
Certa ocasião recebemos a visita de controladores europeus e americanos. Quando eles souberam que éramos
mais de noventa por cento controladores militares ficaram atônitos. Quando souberam o quanto ganhávamos,
ficaram de olhos arregalados e completamente estarrecidos. Na época os nossos vencimentos não chegavam
aos U$ 1.000,00 enquanto o salário inicial deles era algo em torno de U$ 7.000,00. Quando buscaram explicação,
a resposta foi simplesmente: isto aqui é Brasil!!!
Agora o caos está implantado. As autoridades finalmente se deram conta da importância da nossa atividade.
A tragédia que se abateu sobre nós envolvendo uma colisão aérea com a perda de muitas vidas, ficará para
sempre na mente de todas as pessoas envolvidas por ocasião do sinistro. Isto por si só já vão deixar consternados
muitos de nós controladores. Isto era uma tragédia anunciada!
Nós, mais experientes tínhamos receio de que isto viesse a acontecer. Aos poucos nós controladores fomos
ficando restritos ao nosso ambiente de trabalho, sem poder "gritar" e mostrar o quão perigoso estava sendo
voar nos nossos céus. As autoridades preferiram "investir" em equipamentos e mal, diga-se de passagem,
uma vez que os problemas continuam os mesmos, em detrimento de investir no fator humano que é o grande
responsável por tudo isto funcionar. Máquinas e equipamentos não funcionam sem controladores.
Muitas vezes os controladores são obrigados a agruparem setores de controle, dobrando a capacidade de aeronaves
sob sua responsabilidade porque surgem problemas na freqüência de comunicação ou de radar. A solução imediata
é instruirmos as demais aeronaves a "trocarem" de freqüência congestionando o outro setor.
Quando há falha de detecção radar, o nível de adrenalina dos controladores atinge picos altíssimos, pois é praticamente
"impossível" exercer controle de vôo dentro dos gabaritos de segurança sem o auxílio do radar. O radar são olhos do
controlador. Isto é colocar em risco a vida de milhares de pessoas. É muito comum os Centros de Controle como Brasília e Curitiba (Cindacta I e II) operarem com capacidade menor em determinados setores de controle por conta da "falha de detecção radar". Isto acarreta um aumento de separação entre as aeronaves por medida de segurança, ocasionando muitas vezes atrasos.
Agora surgem autoridades "descabeladas" tentando apagar o incêndio. Pior é que para a população pode ficar
a idéia de que nós controladores desencadeamos a tal "Operação Padrão" para chamar a atenção pura e simplesmente.
A realidade é bem outra. Não existe "Operação Padrão" mas sim, o controle de tráfego aéreo ser gerenciado dentro das normas de segurança. Antes nós controladores assumíamos a responsabilidade de termos aeronaves (além do número recomendado)
sob nosso controle, por conta de podermos agilizar os vôos. Em nenhum momento a segurança foi colocada em risco, mas sempre que se pressentia que haveria um estrangulamento de tráfegos e excesso de aeronaves, então tomávamos medidas restritivas.
Após o acidente, e é norma internacional, os controladores que estavam de serviço na hora do sinistro são afastados. Isto acarretou uma sobrecarga para os outros controladores, uma vez que o trabalho tem de ser feito, mas falta mão de obra especializada. Com a saída dos controladores foi necessária e obrigatória a redução do número de aeronaves voando neste setor específico. A situação retornará a normalidade tão logo tenhamos substitutos ou que os próprios controladores envolvidos retornem às atividades normais.
A partir da tragédia da colisão o que estava à flor da pele simplesmente aflorou. Nossos controladores já estavam trabalhando acima da sua capacidade. Os equipamentos ao contrário do que tentam esconder as autoridades têm deficiências sim. Existem "zonas cegas" de detecção radar. Assim como existem "zonas cegas de comunicação" em muitas regiões de vôo. O surpreendente em tudo isto é que agora parece um "jargão" nacional as autoridades alegarem "não saberem de nada!". O próprio ministro da defesa alegou isto. Que desconhecia os problemas que passávamos. Foi preciso uma tragédia como esta para abrir seus olhos? Agora é chorar sobre o leite derramado.
Como sempre, surgem os Deuses da sabedoria encontrando soluções acrobáticas para um problema tão sério. Vão contratar imediatamente 64 novos controladores! Para fazer o quê? Ou será que eles pensam que após a contratação, estas pessoas serão capazes de sentar em frente a uma tela de radar e sair distribuindo instruções para as aeronaves? Quem é o louco que está pensando isto? Este é o Brasil das maravilhas com soluções rápidas e espetaculares? São declarações estapafúrdias! São declarações que mostram o mal assessoramento e total desconhecimento dos fatos. Ora senhor ministro, cá pra nós! Tenho pena de seus assessores. Procure gente especializada. Técnica e conhecedora do assunto. Não queira tapar o sol com a peneira. Aliás, parece praxe do Governo Federal a utilização de tal prática. Recontratem pessoas que hoje em dia estão na "reserva" (aposentados) , mas ofereça-lhes condição ideal de trabalho. Ou será que alguma autoridade pensa que os reservistas e aposentados, virão se sujeitar a receber este salário de miséria? Já pensaram sobre isto? Tenho certeza que muitos retornariam, porque gostam do "profissão", mas diante desta tragédia e do desmascaramento do sistema é bem provável que a maioria não queira retornar. Afinal é muita responsabilidade para pouco dinheiro!
Outra solução retumbante foi a transferência de alguns controladores de outras áreas de controle para Brasília, como se esta medida fosse imediatamente dar algum resultado. As nossas autoridades brincam com a nossa capacidade de pensar. Ninguém que não esteja familiarizado com a área sai controlando vôos. É preciso um tempo de adaptação. Conhecimento da área de controle. Dos fixos, auxílios à navegação, aeroportos, rotas, telefonia, freqüências dos setores, enfim uma quantidade de informações tão grande que é impossível alguém chegar e trabalhar imediatamente. Mas as autoridades querem que todos pensem desta forma. Digam a verdade, assuma a incompetência de administrar um setor vital da vida brasileira. Desmascarado agora com o caos da aviação nacional e internacional. Assumam que deixaram para trás todos os valores de caráter ao ignorar as reclamações de todos nós. Assumam que deixaram de incrementar cursos de especialização, aprimoramento e treinamento aos controladores por conta de alegarem "falta de verbas". Será que estas mesmas verbas não seriam muito inferiores as que serão gastas com indenizações as vítimas? Será que agora se chegará a conclusão que Controladores com melhores condições de trabalho, equipamentos adequados e funcionando, com salários dignos, sem pressões, sem medos, não teria sido bem melhor? Tudo isto poderia ter sido evitado.
O Egocentrismo de autoridades lhe turva a visão. O que parece claro fica nublado quando os assuntos são "gastos". Revolta-me saber que mensalões, sanguessugas e dossiês estão aí aos montes desviando dinheiro que poderia ser aplicado em setores essenciais a nossa vida e nosso trabalho. Revolta-me saber que ganhamos tão pouco, enquanto o dinheiro desta rica nação rola de mão em mão, mala em mala, subornos e corrupções à vontade sem nenhum controle ou punição. Revolta-me saber que lutamos para dar segurança a todos por tão pouco e corruptos ganham tanto para nada fazer. Contudo a nossa conduta moral não tem preço. Temos dignidade e caráter. Por isso mesmo é que nossas queixas nunca passaram de nossas autoridades. Sempre foram devidamente "engavetadas" porque não poderiam causar nenhum tipo de "embaraço" com o Governo Federal.
O então ministro Viegas quando era da pasta da defesa, já havia alertado o governo sobre a situação do tráfego aéreo. Porém como tudo aqui acaba em pizza, o alerta foi desconsiderado. Foi exonerado. Não por isto provavelmente. E agora? Quem tinha uma pontinha de razão?
Nós controladores de vôo temos como característica desempenharmos nossa função independente da carência de equipamentos. Trabalhamos com dificuldades, simplesmente pelo prazer de vermos nosso serviço ser realizado. Trabalhamos por amor a profissão abraçada, porque este é nosso ideal. Não buscamos reconhecimento público, e tão pouco somos políticos. Somos técnicos especializados em tráfego aéreo. Somos dinâmicos. Temos e devemos decidir em "segundos" a melhor estratégia, a melhor manobra, a melhor solução para que as aeronaves voem seguras em nosso céu!
O grande jornalista Alexandre Garcia, ainda outro dia com muita propriedade citou uma frase espetacular: "Será que sempre corríamos o risco e não sabíamos?". Foi contundente quando fez este questionamento. Não que nós controladores trabalhemos mal. Não, é sabido que o controle de tráfego aéreo do Brasil é considerado um dos melhores do mundo, mesmo que tenhamos a maldita mania de menosprezar tudo que fazemos. Mas sim pela falta de atenção das autoridades. Pelo descompromisso destas para com nossa profissão. Agora vêm acenando até com gratificações aos controladores, como se isto pudesse nos comprar a consciência. O que gostaríamos de ter de fato é o reconhecimento como profissão. Salários condizentes com o nível de responsabilidade. Equipamentos confiáveis. Treinamento e aprimoramento periódicos, tal qual são exigidos e executados pelas empresas aéreas junto aos seus pilotos. Que se acabasse com esta mesquinhez de falta de verbas tão alardeada.
Pensem nas vidas que se perderam e reflitam. É claro que foi uma fatalidade. Uma sucessão de falhas não corrigidas desencadeou, o maior acidente aeronáutico do Brasil. Isto nem de longe será motivo de orgulho. Este mesmo orgulho que autoridades desenvolveram e teimaram em ignorar nossas reclamações. Somos militares, somos superiores ao tempo. Balela! Agora só nos resta aprender, mesmo que com dificuldades, tudo o que esta tragédia nos mostrou. Aprendamos com os erros e vamos corrigi-los porque só assim seremos capazes de evitar que outras possam vir a acontecer.
Não iludam o povo com soluções mirabolantes. Não iludam a nós controladores com promessas que não serão cumpridas. Ajam como nós que independente de todas as dificuldades encontradas ao longo da vida, as superamos apenas pelo prazer do idealismo como profissão, pois hoje em dia, isto é como um "animal em extinção" poderá desaparecer para sempre...
José Manuel Fernandes

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial