ENTRESSEIO

s.m. 1-vão, cavidade, depressão. 2-espaço ou intervalo entre duas elevações. HUMOR, CURIOSIDADES, UTILIDADES, INUTILIDADES, NOTÍCIAS SOBRE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE BENS CULTURAIS, AQUELA NOTÍCIA QUE INTERESSA A VOCÊ E NÃO ESTÁ NO JORNAL QUE VOCÊ COSTUMA LER, E NEM DÁ NA GLOBO. E PRINCIPALMENTE UM CHUTE NOS FUNDILHOS DE NOSSOS POLÍTICOS SAFADOS, SEMPRE QUE MERECEREM (E ESTÃO SEMPRE MERECENDO)

13 junho, 2007

500 ANOS DE CORRUPÇÃO



O ataque aos cofres públicos não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, mas nos acompanha desde o dia do nosso descobrimento.
Foi para isso que fizemos a revolução?" Essa frase foi pronunciada em tom de desencanto por muitos militares quando começaram a pipocar casos de corrupção envolvendo gente da cúpula do governo nos anos 70 e 80. Os decepcionados eram aqueles que acreditaram que em 1964 houvera mesmo uma revolução e que ela viera não apenas para espantar o "fantasma do comunismo", mas também para acabar com a corrupção. Sentimento semelhante vem agora de gente que entrou na política justamente combatendo tanto a ditadura quanto a corrupção, militantes que se dedicaram por mais de 20 anos ao PT até conseguir colocar um ex-operário na Presidência da República.
De novo o velho desencanto, o triste espetáculo de ocupantes de altos cargos políticos saindo de suas funções bem mais ricos do que entraram. Um fenômeno tão corriqueiro que pareceu inusitada a volta de Olívio Dutra ao emprego de bancário quando terminou seu mandato de prefeito de Porto Alegre, em 1987. Caso surpreendente num país em que boa parte dos eleitores aceita político que "rouba mas faz", em que historicamente o ataque aos cofres públicos faz parte do cotidiano, onde a sonegação de impostos por empresas é quase obrigação, e onde até a Igreja chegou a contrabandear usando santos ocos cheios de ouro e pedras preciosas. Uma das conclusões falsas que até parte da mídia abraça é que a corrupção é um fenômeno tipicamente brasileiro. Não é. Ela existe desde muito antes do descobrimento do Brasil e sempre esteve presente em muitas nações e em vários momentos da História. Prova de que ela não é patrimônio exclusivo nosso é uma lista divulgada pela ONG Transparência Internacional, em outubro de 2004, que traz uma espécie de ranking da roubalheira em 146 nações pesquisadas.
Na carta ao rei, Pero Vaz de Caminha aproveita parapedir a volta a Portugal de seu genro, degredado na Áfricapor ter roubado uma igreja e espancado o padre.

A lista começa pelos países menos corruptos e caminha progressivamente para os mais desonestos, e o Brasil aparece em 59o lugar. Os primeiros são nações com alto grau de desenvolvimento humano e distribuição de renda mais equilibrada. A Finlândia encabeça a lista, como o país menos corrupto do mundo. Nos últimos lugares estão países subdesenvolvidos e com péssima distribuição de renda, como Haiti e Bangladesh. Fica claro que o subdesenvolvimento é um dos fatores importantes para o aumento da corrupção. Países subdesenvolvidos, além do tradicional abuso de poder e outros quesitos, têm fatores institucionais que favorecem a prática, como o excesso de regulamentações. A profusão de leis dá oportunidade para o surgimento de pessoas espertas que se tornam especialistas em decifrá-las e intermediar processos e ações. São pessoas que conhecem o caminho das pedras, sabem quem decide e como manipular as decisões. Esse emaranhado de leis, muito apreciado por certos políticos, traz embutido o velho método de criar dificuldades para vender facilidades. Uma corrente de historiadores acredita que a corrupção no Brasil está associada ao emprego de degredados na nossa colonização inicial. No século 16, pessoas que cometeram crimes em Portugal eram condenadas a cumprir suas penas aqui, forma utilizada para povoar com portugueses o Brasil e outras colônias lusitanas. De fato, só com Tomé de Souza, primeiro governador-geral do Brasil, vieram 400 degredados. A maioria dos pesquisadores, porém, discorda da afamada periculosidade dos degredados, já que, dado o interesse em mandar muita gente para cá, qualquer pequeno delito era motivo para o degredo. Cerca de 200 crimes eram punidos com o degredo, inclusive o adultério e a cafetinagem. No livro Vadios e Ciganos, Heréticos e Bruxas: os Degredados do Brasil-Colônia, o historiador Geraldo Pieroni afirma que o nascimento do nosso país deveu-se a esses degredados por delitos de ordem religiosa ou moral sem nenhum problema de conduta.
Segundo historiadores, o império que nos descobriu já carregava o germe da corrupção. Na época, Portugal era famoso pela burocracia e pelo desvio de verba.
Eduardo Bueno, jornalista e pesquisador da nossa história, insiste em ressalvar que é preciso tomar cuidado com generalizações. Ele diz que o problema "não está no degredado e sim nos que tinham o poder de enviar degredados para o Brasil". Segundo ele, a corrupção brasileira começou mesmo antes do descobrimento, nos impérios português e espanhol.
Chamados de "impérios papeleiros" por causa da burocracia que criava um amontoado de leis e gerava uma gigantesca estrutura paralela, à margem do poder central, Portugal e Espanha concentravam um núcleo de corrupção muito grande, que incluía desvio de verbas, negociatas e dribles na Justiça. Para Bueno, é nesse tipo de "império papeleiro" que está o germe do sistema corrupto que persiste até hoje nestas terras.

É comum dizer que no Brasil cadeia é só para os "três pês" (pobres, pretos e prostitutas), referindo-se à impunidade dos ricos. Isso é também uma herança dessa tradição ibérica em que os cavaleiros - ou seja, os ricos que tinham cavalos, contrapondo-se aos peões, que andavam a pé - ficavam por lei isentos das chamadas "penas vis". Não podiam ser espancados, amarrados em pelourinhos ou condenados à morte. Isso sem contar a venalidade da Justiça e o tráfico de influências, que já aparece nas primeiras linhas a registrar o Brasil.
A carta de Pero Vaz de Caminha, enviada ao rei Dom Manuel em 1500 para dar a boa nova da descoberta, ou "achamento", da Terra de Vera Cruz, trazia em seu final um exemplo dessa tradição. Nela, o escriba aproveita a ocasião para pedir a volta a Portugal de seu genro degredado em São Tomé, na África, por ter roubado uma igreja e espancado o padre.
Em uma pesquisa feita em 146 países, o Brasil aparece como o 59º mais corrupto. No topo da lista está a Finlândia. Haiti e Bangladesh são os campeões da roubalheira.
E já na fundação da nossa primeira capital há um exemplo claro de roubalheira, com superfaturameno na construção de Salvador, por empreiteiras, entre 1549 e 1556. Prática que se alastrou inclusive durante o período de ocupação holandesa, tido erroneamente por muitos como um governo "limpo". Apesar de o príncipe Maurício de Nassau ser um homem culto e ter trazido cientistas e artistas para Pernambuco, com ele vieram também, como colonizadores, pessoas que, no que tange à malandragem, não ficavam atrás dos portugueses. Aliás, teve origem na Holanda a história de que não existe pecado ao sul do Equador. Aqui valia tudo.
Como boa tradição ibérica, a corrupção não poderia deixar de continuar com a chegada da família real portuguesa, inculta e grossa, em 1808. Dom João VI é tratado pelos historiadores como sujo e balofo, grosseiro no trato com as pessoas. No tempo em que esteve no Brasil, de 1808 a 1821, a corrupção se alastrou consideravelmente. Dom Pedro I, embora mais estadista que seu pai, tinha na conta de seus amigos pessoas muito pouco recomendáveis, que assumiram posições importantes no Império. Uma delas foi o famoso Chalaça, apelido do português Francisco Gomes da Silva, considerado o homem mais poderoso do período. Companheiro de farras de Dom Pedro, ele nomeava e demitia quem queria.
Ao contrário de seu antecessor, Dom Pedro II foi um homem culto, mecenas, poliglota, apreciador das artes e da ciência... mas sem nenhuma aptidão para governar. Ficava enfastiado com as coisas do Estado. Assim, fazia vistas grossas para os desmandos e a corrupção, inclusive eleitoral. Por isso era chamado de "Pedro Banana". Seu reinado era repleto de festas, que aconteciam como se o país estivesse às mil maravilhas. Depois de 1884, seu governo foi ficando insustentável, em grande parte por causa da chamada "Questão Militar", que teve como estopim a descoberta de irregularidades num destacamento do Exército no Piauí.
Segundo Nelson Werneck Sodré em seu livro A História Militar do Brasil, diversos fornecedores do Exército enriqueceram bastante durante o Império, passando recibo de mercadorias que nunca entregaram ou entregaram em quantidade ou qualidade diferente do especificado. O historiador conclui: "Chega-se a ter a impressão de que, de cada dez indivíduos, nove eram desonestos ou dissidiosos na defesa da moralidade administrativa das Forças Armadas. Os que discordavam eram poucos e considerados criadores de caso". O imperador permanecia alheio a tudo isso.
A República não mudou muito essa história. Tanto a desonestidade continuou que as mudanças radicais de governos sempre tiveram entre as causas motivadoras - pelo menos nos discursos - o combate à corrupção. Isso ocorreu, por exemplo, em 1930 e 1964. Sem contar que desde o governo Jânio Quadros, que foi eleito tendo como símbolo uma vassoura, que seria usada para "varrer" os corruptos do governo anterior, quase todos que ocuparam o poder pela via eleitoral falavam em combate à corrupção do seu antecessor. Fernando Collor de Mello combateria a corrupção de José Sarney, Fernando Henrique Cardoso combateria corrupções anteriores e Lula viria a acabar com a corrupção do período FHC.

Nem tudo, porém, foi inútil. Um caso exemplar foi o impeachment de Fernando Collor, em 1992. Poucos meses antes, em maio daquele ano, o empresário Emílio Odebrecht tentava justificar a corrupção como um hábito alastrado em toda a população em uma entrevista ao Jornal do Brasil: "Eu acho que a sociedade brasileira toda é corrompida e corrompe.
Hoje, para o sujeito resolver alguma coisa, até para sair de uma fila do INPS, encontra seus artifícios de amizade, de um presente ou de um favor. Isso é considerado um processo de suborno. O suborno não é um problema de valor, é a relação estabelecida". O afastamento de Collor trouxe ânimo novo no combate à roubalheira no Brasil, mas os cinco séculos de assalto aos cofres públicos provam que não será fácil vencê-la. Como dizia o ex-ministro Paulo Brossard no tempo do fim da ditadura: "A democracia no Brasil é relativa, mas a corrupção é absoluta".

Texto: Mouzar Benedito
Ilustração Cauzi

Marcadores:

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial