ENTRESSEIO

s.m. 1-vão, cavidade, depressão. 2-espaço ou intervalo entre duas elevações. HUMOR, CURIOSIDADES, UTILIDADES, INUTILIDADES, NOTÍCIAS SOBRE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE BENS CULTURAIS, AQUELA NOTÍCIA QUE INTERESSA A VOCÊ E NÃO ESTÁ NO JORNAL QUE VOCÊ COSTUMA LER, E NEM DÁ NA GLOBO. E PRINCIPALMENTE UM CHUTE NOS FUNDILHOS DE NOSSOS POLÍTICOS SAFADOS, SEMPRE QUE MERECEREM (E ESTÃO SEMPRE MERECENDO)

17 agosto, 2007

SIMPATIA ROMÂNTICA AMEAÇA PONTE HISTÓRICA EM ROMA

O amor, em todo o seu esplendor e desordem, encontrou expressão perfeita na mais antiga ponte de Roma, no ano passado. Inspirados por um best seller posteriormente transformado em filme, jovens casais escreviam seus nomes em cadeados, e atavam correntes fechadas por eles em torno dos postes de luz da Ponte Milvio. Em seguida, simbolizavam a permanência de seu amor lançando as chaves dos cadeados às águas turvas do Tibre, sob a ponte.
Mas a realidade não demorou a se reafirmar, como costuma acontecer depois de uma paixão. Milhares de cadeados e chaves começaram a se empilhar na ponte e nas águas do rio. Duas das luminárias instaladas sobre os postes despencaram devido ao excesso de peso. Vizinhos começaram a se queixar de vandalismo. Os políticos que tentaram resolver o problema foram acusados de ser inimigos do amor, o que na Itália é coisa séria.
No final do mês passado, uma solução foi encontrada. O governo municipal instalou seis conjuntos de postes de aço para receber as correntes ao longo da ponte, de modo que os amantes agora podem se declarar sem risco de dano à infra-estrutura.
E dessa forma a cidade dos monumentos acaba de criar mais um, ainda que haja um certo custo: jogar uma chave ao rio da Ponte Milvio, reclamam alguns italianos, pode em breve se tornar tão coisa de turista quanto as moedas lançadas à Fontana di Trevi.
"É menos romântico", diz Costantino Boccuni, 28 anos, soldado que acabava de instalar sua corrente em um dos novos postes metálicos, para declarar seu amor por Daniela, 26 anos, com quem está casado há seis anos. "Antes era mais bonito. Mais original". "Agora, a idéia se tornou como que uma moda", afirmou.
Mas ainda assim, à medida que o adorável crepúsculo romano trazia a noite, o casal trancou sua corrente. E, nos dias que se seguiram à instalação dos novos postes, dezenas de novas correntes do amor foram trancadas na Ponte Milvio - para sempre, se o mundo fosse perfeito (ainda que, na prática, a cidade deva periodicamente remover as correntes, da mesma forma que recolhe as moedas lançadas à Fontana di Trevi).
A história de como a Ponte Milvio, ao norte do centro de Roma, se tornou o símbolo do amor na cidade é uma trama especialmente italiana que mistura história, mito, politicagem rasteira e uma dose do inesperado.
Construída no ano 206 a.C., a ponte há muito atraía os amantes. Tácito, o historiador e estadista romano do século I, conta que, mesmo em sua era, o local já tinha "fama por suas atrações noturnas". O imperador Nero, diz Tácito, costumava visitar a ponte "para exercitar sua devassidão". (O imperador Constantino, derrotou seu rival Maxentius em uma batalha travada local, em 312, e se tornou o primeiro soberano de Roma a se converter ao cristianismo, doutrina que, na opinião de muitos italianos, reprova o tipo de amor que é comum na Ponte Milvio)
No ano passado, o escritor Federico Moccia publicou a segunda parte de uma história, Ho Voglia di Te (Te quero), sobre o romance entre um casal de jovens romanos. Como muitos casos amorosos, o de seu protagonista começa por uma mentira: ele convence a moça com quem deseja namorar de uma lenda que ele mesmo inventou, nos termos da qual os amantes que prenderem uma corrente ao terceiro poste do lado norte da ponte e lançarem a chave ao rio jamais se separarão.
Moccia, 44 anos, diz que inventou o ritual. "Gostei da idéia dos cadeados do amor, porque é algo de sólido, tangível", disse. Seu livro vendeu 11 milhões de cópias, o filme inspirado por ele foi lançado em seguida e não demorou para que a vida começasse a imitar a arte.
Moccia disse que ficou espantado quando percebeu que correntes e cadeados haviam começado a aparecer na ponte, ainda que ele atribua a tendência aos problemas do país, cuja população está envelhecendo e procriando menos; além disso, a economia lenta faz com que os jovens tenham dificuldades para encontrar emprego, e muitas vezes continuem vivendo com seus pais até depois dos 30 anos.
"É um sinal preciso de nossos tempos, existe uma falta de sonhos", ele afirma. "Só recebemos más notícias. Não existe mais o sorriso diante daquilo que vemos de longe, nas fímbrias do sonho. E aquele gesto do cadeado na ponte, do sentimento do ferro se fechando, como promessa, é algo de belo".
Mas a beleza não demorou a se tornar ameaça. Os amantes começaram a chegar, de toda a Itália, e logo receberam a adesão dos turistas. A antiga ponte, que atrai não só amantes, mas bêbados e número considerável de usuários de maconha, logo se tornou ponto de pichação romântica, sem falar do número incontável de correntes e cadeados. No trimestre passado, a cidade decidiu agir.
A política inevitavelmente interferiu. Como parte da longa batalha entre esquerda e direita que o país vem enfrentando, os partidos de direita acusaram o prefeito esquerdista Walter Veltroni de um crime muito pior que a corrupção.
"A esquerda é contra o amor", acusou Marco Clarke, membro direitista do Legislativo municipal, em fevereiro. A tradição continua, atenuada, ainda que muita gente agora a reprove. Michael P., 22 anos, que pediu que seu sobrenome não fosse citado porque estava fumando maconha, disse que "é uma questão de dignidade. Se eu quiser expressar meu amor, o farei ao meu modo".
Mas Gianluca e Federica recentemente usaram uma corrente e cadeado para expressar seu amor, e o mesmo se aplica a Ricky e Francy, Piti e Piti, diversos Mirkos com letras semelhantes a ponto de causar suspeitas.
Anna e Philip Colletti, de Montreal, comemoraram seu 25° aniversário de casamento com uma corrente e cadeado. Os filhos contaram a eles sobre a lenda. "Vinte e cinco anos de casamento. Isso pode assustar alguns dos casais mais jovens", disse Colletti
New York Times
Ian Fisher
Tradução: Paulo Eduardo Migliacci ME

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