ENTREVISTA COM O PRESIDENTE DA FIESP
Paulo Skaf - O BRASIL CANSOU.
Presidente da Fiesp argumenta que o atual modelo econômico, focado só na estabilidade, está esgotado e diz que as eleições de 2006 são oportunidade histórica para atacar a corrupção
Um dia depois de completar 51 anos, ele manteve sua rotina habitual. Na terça-feira 8, Paulo Skaf amanheceu às 7h na imponente sede da Federação das Indústrias de São Paulo. Ao ler os jornais, o presidente da Fiesp soube dos 100 ataques do PCC ocorridos na madrugada anterior. No primeiro telefonema, foi avisado do seqüestro de um amigo ocorrido em Fortaleza, no Ceará. Esses dois acontecimentos ajudaram a entornar o copo de cólera de Skaf, que já andava bem perto de transbordar. Entre os motivos de sua indignação, ele aponta o crescimento medíocre da economia, a maior taxa de juros do mundo, o câmbio valorizado e a corrupção que tomou conta da política.
“Ninguém agüenta mais”, disse ele à DINHEIRO, na tarde do mesmo dia. Segundo Skaf, que tem mantido uma postura neutra e apartidária, as eleições de outubro representam uma oportunidade histórica de colocar o País nos trilhos do desenvolvimento.
Leia a seguir sua entrevista.
DINHEIRO – O que o sr. espera da próxima eleição?
PAULO SKAF – Ela será a mais importante da nossa história. Isso porque o Brasil vem num ciclo de baixo crescimento que já dura duas décadas. Nesse período, aumentaram os gastos, os desperdícios e a carga tributária chegou a um ponto insustentável. Além disso, os investimentos públicos despencaram e o custo da logística aumentou brutalmente para os empresários. Para piorar, as reformas estruturais não saíram do papel. Resumo: o Brasil cansou. Ele não agüenta mais esse modelo. Chegamos a um ponto de saturação. Daí a importância dessas eleições, que terão também um papel importante no combate à corrupção. A urna é o tribunal mais adequado para o julgamento dos políticos. Nós tivemos uma série de eventos recentes, que poderão ser punidos pelo eleitor.
DINHEIRO – Esse quadro de crescimento baixo e descrença na política pode começar a mudar a partir de 2007?
SKAF – Terá de mudar. O presidente que sair vitorioso das urnas terá força e legitimidade para promover uma revolução positiva no País. É um momento histórico. Teremos de sair do marasmo que vem de duas décadas e entrar num novo ciclo. É um momento de ruptura. Os candidatos terão que assumir compromissos com a mudança.
DINHEIRO – Seu diagnóstico indica frustração com o governo Lula?
SKAF – Não falo só deste governo. Falo de um quadro econômico que já vem de 20 anos.
DINHEIRO – Mas, na política, muitos escândalos atingiram o PT. Qual o seu julgamento sobre eles?
SKAF – O Paulo Skaf é apartidário e o meu voto é secreto. Por isso, eu não gosto de sinalizar preferências. Mas eu diria que, nesses processos políticos, muitas vezes pesam as pessoas. Por isso, não gosto de generalizar meu julgamento em torno de partidos. Num determinado partido, podem existir pessoas excepcionais e pessoas ruins – e geralmente é isso o que acontece. Existem bons exemplos e maçãs podres.
DINHEIRO – Será possível eliminar doações empresariais não contabilizadas para campanhas?SKAF – Falar em caixa dois é importante, mas eu não gosto de hipocrisia. Para corrigir o País, é necessário que existam transparência e sinceridade. Historicamente, as eleições vêm sendo financiadas com dinheiro não contabilizado. Eu não sou político, mas a diferença entre o valor gasto e o valor declarado nas campanhas existe há muito tempo. Dizer que isso surgiu na última eleição e só num partido me parece hipócrita. Mas feita a ressalva, isso não significa que devemos tolerar o crime. As leis têm que ser cumpridas. Se são ruins, têm que ser modificadas.
DINHEIRO – Mas o caixa dois vai diminuir?
SKAF – Diante de tudo o que aconteceu, acho que os candidatos serão, pelo menos, mais cuidadosos.
DINHEIRO – A eleição será mais barata?
SKAF – Não sei. Os candidatos têm dito que, enquanto caíram os gastos com showmícios, brindes e camisetas, outras despesas aumentaram muito. Por isso, eles dizem que as coisas talvez fiquem na mesma.
DINHEIRO – As empresas estão retraídas ou doando?
SKAF – Acho que deveriam apoiar os candidatos de acordo com as suas preferências. Campanhas políticas têm custo e isso deve ser pago de forma transparente. A lei permite que doem até 2% do faturamento, mas é inegável que, depois de tantos escândalos, há uma certa desconfiança. Para mudar isso, uma reforma política é necessária e urgente.
DINHEIRO – Com que medidas?
SKAF – Fidelidade partidária, cláusula de barreira e voto distrital. Esta última medida é importante porque ajuda a baratear campanhas.
DINHEIRO – Se o presidente Lula vier a ser reeleito, como o sr. imagina um segundo mandato?SKAF – Nós ainda vamos promover encontros com os candidatos e pretendemos repassar a eles as nossas bandeiras. A obsessão é o desenvolvimento e isso passa pela retomada das reformas tributária e previdenciária, pela desburocratização e pela redução mais rápida de juros, impostos e gastos.
DINHEIRO – Tudo isso não deveria ter sido feito no primeiro mandato?
SKAF – Mas por que não poderia ter sido feito em 1994? Em 1998? Se um candidato assumir o compromisso com a mudança e tiver vontade de mudar, ele terá força política para promovê-la, ainda que seja num segundo mandato. Nada é impossível. O que importa é saber com clareza o que fazer e também como fazer. E é nisso que nós temos tentado ajudar.
DINHEIRO – Que falha o sr. apontaria na gestão econômica do atual governo?
SKAF – O grande erro foi a política monetária. Eu insisti muito na ampliação do Conselho Monetário Nacional, para evitar que o foco do Banco Central ficasse restrito à inflação. O nosso BC é diferente do americano. Lá, nos Estados Unidos, o Fed tem compromisso com o crescimento e o emprego. O nosso até cumpre bem a sua missão, que é a de controlar a inflação, mas essa é uma visão restrita da ação de um banco central. Precisamos sair da mesmice.
DINHEIRO – A proposta foi vista como inflacionista.
SKAF – Mas não tem nada disso. No fim dos anos 80, quando o Brasil tinha uma inflação de 80% ao mês, até se justificava essa obsessão com a moeda. Mas inflação de 80% ao mês é bem diferente de uma inflação de 4% ao ano. É hora de abrir novos horizontes. O fato é que essa política monetária tem causado muitos efeitos perversos.
DINHEIRO – Quais?
SKAF – No ano passado, nós crescemos 2,5%, enquanto o mundo avançou 5% e os emergentes tiveram taxas de 6%. Isso prova que a nossa crítica ao modelo atual está correta.
DINHEIRO – Como será 2006?
SKAF – Parecido. Todas as nossas sondagens apontam que o crescimento brasileiro dificilmente será superior a 3,5%. E o mundo de novo vai andar na casa de 5%, enquanto os emergentes saltaram para 7%. A China já bateu em 11%. No Brasil, a política de juros é responsável pela valorização cambial, que rouba a nossa competitividade. Esse câmbio nos castiga.
DINHEIRO – Está tão ruim assim?
SKAF – É claro que crescer 3,5%, para quem não crescia nada, já é alguma coisa. Mas isso tem de ser visto em perspectiva. Seria bom se o mundo estivesse crescendo 2% ou 3%. O fato é que estamos vivendo dois “Brasis”. Um, o das empresas de petróleo, de mineração, da siderurgia, do papel e celulose e do setor sucroalcooleiro, vai muito bem. O outro, que inclui a agricultura, a indústria de transformação, e setores como o têxtil, o calçadista e o moveleiro, vai muito mal.
DINHEIRO – O pacote cambial foi uma boa medida?
SKAF – Foi e nós aplaudimos. Nós defendíamos que as empresas pudessem deixar 100% da receita das exportações lá fora, mas o ministro Guido Mantega preferiu começar com 30%, podendo ampliar esse valor. Foi prudente. De qualquer forma, a Fiesp tem hoje uma capacidade maior de influir. Esse projeto, por exemplo, nasceu aqui há cerca de um ano. Não há um dia aqui dentro em que você não tenha diversos deputados e senadores freqüentando a casa e discutindo medidas de interesse do setor produtivo.
DINHEIRO – Mas o pacote não mudou o câmbio.
SKAF – O ano de 2006 ainda será difícil. Mas eu acredito que, em 2007, a queda dos juros e um crescimento maior da economia e das importações deverão contribuir para uma situação cambial mais favorável.
DINHEIRO – O economista Yoshiaki Nakano, do PSDB, defende um “mix” de juro baixo e câmbio alto, aliado a um forte ajuste fiscal. O sr. apóia essas idéias?
SKAF – O Nakano é também do conselho superior de economia da Fiesp e, portanto, essas idéias contam com o nosso apoio. Ajuste fiscal mais forte, reduzindo gasto e desperdício, é uma defesa nossa desde o início do meu mandato. E o binômio câmbio alto e juro baixo é também uma bandeira da Fiesp.
DINHEIRO – O “Plano Nakano” é então o Plano Fiesp?
SKAF – Existe consenso em alguns temas. Não dá mais para continuar com o juro mais alto do mundo, que fez o Brasil gastar R$ 160 bilhões em 12 meses com serviço da dívida.
DINHEIRO – No mercado financeiro, já se fala em “risco Nakano”?
SKAF – É uma bobagem. O Nakano tem idéias corretas e já teve uma missão importante como secretário de Fazenda de São Paulo, onde mostrou competência. Ficou ultrapassado achar que a prioridade do País é só a moeda. A obsessão dos próximos 20 anos deve ser o crescimento. Os que fazem crítica à mudança ou têm uma visão estreita ou têm outros interesses, uma vez que essa política trouxe ganhos maravilhosos para alguns.
DINHEIRO – O sr. se refere aos lucros bilionários dos bancos, como o Itaú e o Bradesco?
SKAF – A culpa não é dos banqueiros. Eles atuam dentro das regras. Se um país cria regras que propiciam lucros fabulosos, eles estão apenas aproveitando uma oportunidade. A culpa é de quem cria as regras. Hoje, o retorno dos bancos é de 30% sobre o patrimônio. Isso significa dobrar de tamanho a cada dois anos e meio. O momento do juro mais alto do mundo está esgotado. E não é pecado falar de crescimento. Hoje, o pecado é seguir nessa estagnação.
Por: Leonardo Attuch
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