ENTRESSEIO

s.m. 1-vão, cavidade, depressão. 2-espaço ou intervalo entre duas elevações. HUMOR, CURIOSIDADES, UTILIDADES, INUTILIDADES, NOTÍCIAS SOBRE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE BENS CULTURAIS, AQUELA NOTÍCIA QUE INTERESSA A VOCÊ E NÃO ESTÁ NO JORNAL QUE VOCÊ COSTUMA LER, E NEM DÁ NA GLOBO. E PRINCIPALMENTE UM CHUTE NOS FUNDILHOS DE NOSSOS POLÍTICOS SAFADOS, SEMPRE QUE MERECEREM (E ESTÃO SEMPRE MERECENDO)

26 novembro, 2007

1808

A vinda da família real portuguesa é tema de 1808, livro que mostra como o País deixou de ser colônia.
Se a certidão de nascimento do Brasil é datada de 22 de abril de 1500, a de formatura poderia trazer grafada 7 de março de 1808, quando a esquadra do príncipe real, d. João, aportou na Baía de Guanabara. Afinal, foi a vinda da realeza portuguesa, transferindo para o Brasil a sede da monarquia, que provocou uma profunda e decisiva transformação na colônia, preparando-a para se transformar em um país independente. Eis a principal conclusão a que chegou o escritor e jornalista
Laurentino Gomes, autor de 1808 (408 páginas) livro que a editora Planeta lançou na semana passada, iniciando a maratona de eventos que vai comemorar, nos próximos meses, os 200 anos da chegada da família real.
"Esse foi o mais importante período da história brasileira: durante os 13 anos em que d. João aqui permaneceu, sendo inclusive aclamado rei de Portugal depois da morte de sua mãe, d. Maria I, mudanças drásticas permitiram ao Brasil ganhar seu atual contorno", comenta Gomes, que pesquisou durante dez anos todos os detalhes dessa permanência, oferecendo, em 1808, o raro retrato de um período normalmente apresentado sob uma linguagem acadêmica, nem sempre acessível ao público médio.
De fato, se estimulou o mecanismo das caixinhas, a distribuição de títulos de nobreza em troca de favores, o uso indevido do Banco do Brasil e a displicência com o déficit público, entre outras mazelas, a vinda do príncipe que se tornaria rei provocou a abertura dos portos nacionais para todas as nações, permitiu a instalação da imprensa com a vinda de máquinas tipográficas, enriqueceu a cultura com a permanência da Real Biblioteca, que incluía a primeira edição de Os Lusíadas, de Camões, antigas cópias manuscritas da Bíblia e mapas ainda em pergaminho, entre outras jóias.
Gomes oferece, logo no início da obra, uma interessante discussão sobre a terminologia que caracteriza a viagem: seria uma transladação? Ou propriamente uma fuga? O autor prefere cravar nesta última, a partir dos fatos históricos. Em 1807, Napoleão Bonaparte conquistava o apogeu de sua brilhante carreira política, derrubando monarquias européias e estendendo o território francês. A maior resistência estava na Inglaterra, cuja esquadra marítima impunha respeito. E, no meio do caminho, estava Portugal, pressionado por Napoleão a aderir ao bloqueio comercial contra os ingleses, com quem mantinha aliança.
Com a instabilidade intelectual da rainha (atormentada por distúrbios mentais, d. Maria tinha a alcunha de a "louca"), d. João governava o país. Homem intensamente indeciso e medroso, ele adiava a decisão sobre qual lado apoiar até receber o ultimato de Napoleão, que anunciou invadir Portugal. Assim, protegido por uma escolta inglesa, o príncipe deixou Lisboa em 29 de novembro de 1807, quando as tropas francesas já se aproximavam da capital.
Gomes lembra que não foi a primeira vez que a corte portuguesa ameaçou se transferir para o Brasil, a maior e mais rentável de suas colônias. A dependência econômica era vital, pois o ouro, o fumo e a cana-de-açúcar produzidos no Brasil constituíam o eixo da relação comercial. "O volume de bens e mercadorias importados da colônia chegou a ser quase duas vezes às exportações", observa o autor, lembrando que, em 1736, o então embaixador português em Paris, Luiz da Cunha, escreveu um memorando secreto a d. João V em que dizia ser Portugal "uma orelha de terra" onde o rei "jamais poderia dormir em paz e segurança". Seu conselho era mudar a corte para o Brasil, que passaria a sediar o reino.
Em 1762, diante de mais uma ameaça de invasão do território português, o então marquês de Pombal voltou a alimentar o plano de transferência. Finalmente, em 1801, quando Napoleão iniciou a ocupação européia, a estratégia ganhou senso de urgência. "A existência de tantos planos, e tão antigos, explica por que a mudança da corte para o Brasil deu certo em 1807", afirma Gomes.
Sua pesquisa não traz nenhum dado inédito, mas permite recriar, com um sabor inigualável, o retrato do cotidiano dos brasileiros e como isso foi modificado com a vinda dos portugueses. A figura mais interessante é, por certo, d. João. Homem de escassa beleza, baixo, muito gordo, de eterna expressão fatigada, suíças castanhas escorridas pela face vermelha e de passo moroso em virtude da erisipela hereditária, era um homem sem voz ativa. "Sua maior qualidade estava em, ao reconhecer sua inabilidade política, delegar poderes aos auxiliares mais competentes", comenta Gomes, lembrando que d. João chegou ao poder por acaso, depois que a mãe, d. Maria I, enlouqueceu e o irmão mais velho, d. José, herdeiro natural do trono, morreu de varíola. "Com seu caráter indeciso e medroso, governou Portugal em meio a um dos períodos mais turbulentos na história das monarquias européias."
Sua vida amorosa também foi medíocre. Casou-se por obrigação com a espanhola Carlota Joaquina, com quem teve nove filhos, mas viveu pouco tempo sob o mesmo teto. No Rio de Janeiro, viviam em moradias separadas - d. João na Quinta da Boa Vista e d. Carlota, em uma chácara em Botafogo. "Mesmo assim, notei um certo carinho entre eles, especialmente nas cartas que trocaram em que, apesar das obrigações protocolares, percebia-se uma atenção."
D. Carlota estava mais interessada, segundo Gomes, em articular a expansão dos territórios espanhóis e sua permanência no Brasil servia apenas para esse propósito - ela odiava as terras brasileiras e relutou muito em deixar Portugal. Gomes procura, por outro lado, modificar o perfil do casal apresentado no filme Carlota Joaquina, de Carla Camurati, em que d. João aparece apenas interessado em comer coxas de galinha e d. Carlota, mulher irritadiça, é dona de um grande furor sexual.
"Apesar de incompetente para o cargo, d. João conseguiu manter com rigor as largas fronteiras do Brasil, impedindo que a colônia se despedaçasse em quatro ou até cinco países menores", conta Gomes. "Ele também adorava o Brasil, a ponto de embarcar chorando de volta a Portugal, já como o rei d. João VI, e com a exata noção das mudanças que aqui promovera. Tanto que, ao ter consciência da inevitável independência da colônia, deixou aqui seu filho, d. Pedro, como seu natural substituto."
Ubiratan Brasil
O Estado de São Paulo

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