ENTRESSEIO

s.m. 1-vão, cavidade, depressão. 2-espaço ou intervalo entre duas elevações. HUMOR, CURIOSIDADES, UTILIDADES, INUTILIDADES, NOTÍCIAS SOBRE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE BENS CULTURAIS, AQUELA NOTÍCIA QUE INTERESSA A VOCÊ E NÃO ESTÁ NO JORNAL QUE VOCÊ COSTUMA LER, E NEM DÁ NA GLOBO. E PRINCIPALMENTE UM CHUTE NOS FUNDILHOS DE NOSSOS POLÍTICOS SAFADOS, SEMPRE QUE MERECEREM (E ESTÃO SEMPRE MERECENDO)

19 março, 2008

ESPERA O CAFEZINHO!

Ele adiciona energia e eletricidade às conversas e é o companheiro (quentinho!) que nos ajuda a despertar. De quebra, é uma espécie de abre-alas da hospitalidade, aproximando todas as gentes
No sertão, Lampião e seu bando vão levantar acampamento. Mas sem desespero: antes, dá tempo de uma caneca de café. Em São Paulo, o Marcel acordou atrasado, tem prova na escola, a mãe reclama mas, espera: antes, ele vira rapidinho um copo grande de café com leite. Imediatamente, sua vizinha, dona Angelita, sente o cheiro no ar e se põe a lembrar o tempo em que usava coador de flanela e adoçava o café forte com rapadura, lá no Ceará. Em Franca, seu Bernardino dispensa açúcar ou adoçante e toma a primeira xícara do café que ele mesmo plantou, colheu, secou, torrou e moeu na fazenda. Só então o dia pode raiar.
Por aqui é assim: no país que mais produz café no mundo, quase ninguém sai de casa sem ter provado dessa bebida que afasta o sono e desperta os sentidos.
Uma pesquisa da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) mostrou que 93% dos brasileiros declaram tomar café regularmente. Democrático, ele está em casas ricas e pobres, na boca de adultos e de crianças; bate ponto no escritório, aparece no cabeleireiro e na agência bancária, pode ser encontrado em qualquer boteco ou padaria. Fresquinho, passado na hora para receber a visita, é o maior símbolo de hospitalidade.
A propósito... Vai aí um cafezinho? Essa é a pergunta que não quer calar. Aliás, muito pelo contrário: quem aceita o convite ou está mesmo disposto a um dedo de prosa ou, com certeza, vai ficar.
Reza a lenda que as propriedades estimulantes dessa frutinha marrom-avermelhada mantinham saltitante o rebanho de um certo pastor de cabras chamado Kaldi, na Etiópia. Um monge curioso, no século 15, observando tal fenômeno, achou por bem recolher alguns grãos para secar e ferver com água. Como a bebida o teria mantido alerta durante as orações noturnas, espalhou a notícia ao mundo árabe.
Conquistador barato
Logo tornou-se popular entre os muçulmanos, como alternativa ao consumo proibido de bebidas alcoólicas. O vinho do Islã era uma bebida que podia ser saboreada abertamente, à luz do dia, longe das escuras tabernas ilegais. É verdade que em Meca e no Cairo houve várias tentativas de fechar os cafés públicos, mas o motivo não era só o costume de tomar a nova bebida o que incomodava mesmo era aquela gente reunida em torno de jogos de tabuleiro, debatendo política, espalhando boatos e discutindo a vida alheia. E foi justamente essa efervescência que acompanha o seu consumo que conquistou os viajantes europeus, por volta de 1650. Editores de jornais importantes forneciam o endereço do estabelecimento para receber a correspondência; negociantes marcavam lá suas reuniões.
O autor de História do Mundo em Seis Copos, Tom Standage, compara: Coletivamente, os cafés da Europa funcionavam como a internet da Idade da Razão. Ao preço de uma xícara, na Inglaterra, era possível discutir com Halley (o que deu nome ao cometa) ou com Diderot e DAlembert (os famosos enciclopedistas), em Paris. É por isso que, muitas vezes, os cafés eram chamados de universidades dos centavos. Quem passava por lá saía informado, com a cabeça fervilhando de idéias, cheio de histórias para contar.
A qualquer hora
No Brasil, a universidade da dona Elza Nascimento fica mesmo a céu aberto, a meio caminho entre o Hospital das Clínicas e a Faculdade Paulista de Medicina. Há quatro anos ela chega com suas garrafas térmicas, antes das 6 da manhã, oferecendo aos apressados um gole de café a 50 centavos o copinho. E explica por que não há mais espaço para a depressão em sua vida: Por aqui passa preto, branco, estudante, operário de obra, médico, faxineira e eu tenho contato com todo mundo. Tem motorista que buzina de longe e ela já prepara a encomenda, que é entregue pela janela do carro. Às vezes, recolhe mais que uma moeda: tem freguesa que estende o papo na rua mesmo e ela pode se lembrar,então, da roça no Espírito Santo, quando ainda era menina e ajudava o pai a colher café, depois da época da florada. Antes que os grãos verdes ficassem vermelhos, os pés de café se enchiam das fl orzinhas brancas, perfumadas.
Seu Bernardino Pucci, agrônomo da Fazenda São Vicente da Califórnia, em Franca, confirma: Antigamente, a família toda se programava para almoçar junto e acompanhar a florada abrir, de sexta até domingo. A fazenda parecia uma noiva! Por falar em casamento, é bastante comum a noite de festa e comilança terminar com um cafezinho, aos convidados, na saída.
É um mediador das relações sociais, explica a pesquisadora Cristina Bannwart, do Núcleo de Cultura da Alimentação da Universidade Anhembi-Morumbi. Existe o lado simbólico de se convidar para um café, diz. Portanto, não há nada melhor que criar uma pausa para se manter um contato mais próximo e amistoso.
Mas Simone C. Maldonado, do Departamento de Antropologia e Sociologia da UFPB, alerta: Convidar para um cafezinho pode ter muitos significados, além da simples passagem do tempo - desde o favor e a amizade até a sedução. E, como recusar o convite não é de bom tom, aproveite a oportunidade e deixe-se conhecer melhor: pelo jeito de apreciar a bebida, é possível saber um pouco dos gostos de cada um.
Regalo da vida
O brasileiro ainda gosta mesmo é de café de coador. Mas o perfil do consumidor começa a mudar, sinaliza Concetta Marcelina, professora do curso de preparação de baristas do Senac-SP. Ela está falando do recente sucesso do café expresso e do acesso aos grãos especiais de café. Concetta credita a mudança à abertura do mercado às importações, por volta de 1992, que revelou um público com poder aquisitivo disposto a pagar mais por um produto com selo de qualidade. Em seu curso são formados profissionais para os novos estabelecimentos em que o café passa de coadjuvante a protagonista. São cafeterias nas quais o barista, mais que operar as máquinas italianas de expresso, deve conhecer muito bem o produto da casa, informando os tipos de plantio e processamento dos grãos de café, as características dos blends (misturas de grãos) disponíveis, além de cuidar da apresentação da bebida. Hoje, há uma grande valorização dessas práticas, porque permitem que a gente saia da vida de alta velocidade, confirma, lá de Curitiba, Carlos Roberto Antunes dos Santos, professor de História da Alimentação da Universidade Federal do Paraná.
E a pausa é tão boa que a pergunta é irresistível... Toma mais um cafezinho? Olha, o papo está bom, mas eu preciso mesmo ir andando.
Lívia de Almeida
Para saber mais
Livros:História do Mundo em Seis Copos, Tom Standage, Jorge Zahar

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