ENTRESSEIO

s.m. 1-vão, cavidade, depressão. 2-espaço ou intervalo entre duas elevações. HUMOR, CURIOSIDADES, UTILIDADES, INUTILIDADES, NOTÍCIAS SOBRE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE BENS CULTURAIS, AQUELA NOTÍCIA QUE INTERESSA A VOCÊ E NÃO ESTÁ NO JORNAL QUE VOCÊ COSTUMA LER, E NEM DÁ NA GLOBO. E PRINCIPALMENTE UM CHUTE NOS FUNDILHOS DE NOSSOS POLÍTICOS SAFADOS, SEMPRE QUE MERECEREM (E ESTÃO SEMPRE MERECENDO)

26 setembro, 2007

DO PIANO AO PEDESTAL, COLE ATRAIU MULTIDÕES

Tema do 1º volume da Coleção Folha Clássicos do Jazz, Nat "King" Cole, revelação do instrumento no jazz dos anos 40, incomodou puristas ao cantar baladas românticas.
Um dos edifícios mais famosos do mundo nos anos 50 era a torre de 13 andares da gravadora Capitol, na esquina de Hollywood Boulevard com Vine Street, em Los Angeles, lembrando uma pilha de discos de 45 rpm. Dizia-se que era à prova de terremotos. Dizia-se também que vários artistas haviam contribuído para que a torre existisse -Frank Sinatra, Peggy Lee, Les Baxter, o casal Les Paul & Mary Ford-, mas nenhum desses contratados da Capitol tinha o poder de fogo em vendas de Nat "King" Cole (tema do primeiro volume da Coleção Folha Clássicos do Jazz).
Daí que o prédio fosse chamado, nas internas da gravadora, de "a casa que Nat construiu". Considerando a concorrência, não era pouca coisa. Era também uma homenagem que fazia justiça ao artista e deixava igualmente bem o público daquela época. Queria dizer que mesmo um cantor tão fino quanto Nat Cole podia vender uma imensidão de discos, e isso provava que valia a pena apostar na sensibilidade do mercado -porque a "melhor" música popular era também a mais popular e "comercial". Não se sabia ainda que, nos EUA, aquela década seria a última em que isso aconteceria e que, em meados dos anos 60, tal equilíbrio entre qualidade e quantidade seria para sempre rompido, com a vitória acachapante da quantidade. De certa forma, foi um terremoto.
Mas, então, Nat já estava morto (em 1965, aos 48 anos) e, para mim, seu desaparecimento facilitou a rendição do mercado ao comercialismo crasso. Ironicamente, ele próprio já fora acusado dessa rendição, ao negociar seu prestígio de maior revelação do piano jazzístico nos anos 40 (quando se apresentava com o "King" Cole Trio e só cantava ocasionalmente) por um acerto demoníaco com a Capitol, que o teria obrigado a trocar o banquinho do piano pelo microfone de pedestal e ir para a frente do palco para cantar, de pé, baladas românticas como "Unforgettable" e "Mona Lisa". Os puristas do jazz nunca o perdoaram, embora poucos se perguntassem se não teria sido dele, Nat, a idéia de se fazer acompanhar por orquestra, em vez do trio, e ainda incorporar àquela um batalhão de violinos.
Hoje sabe-se que ninguém forçou Nat a esse "crime" de lesa-jazz. Ele apenas queria livrar-se da pindaíba que o perseguia enquanto seu repertório se limitava a delícias como "When I Take My Sugar to Tea" e "Gee, Baby, Ain't I Good to You", e explorar melhor seus recursos vocais. Exatamente como seu colega Billy Eckstine estava fazendo -Eckstine também trocara o jazz pelo pop em 1949 e estourara nas paradas americanas, gravando na MGM. É sintomático que a opção de Cole pelo "sucesso comercial" só tenha incomodado a alguns de seus fãs brancos, e não aos outros músicos e cantores negros de jazz. Mas -pergunto eu-, como Nat Cole, mesmo cantando coisas bonitas e suaves como "Ballerina" ou "I Wish You Love", pode não ser um cantor de jazz? Ele certamente não é um cantor de ópera nem de tango. O jazz estava impresso nas suas inflexões, na sua divisão rítmica, na cor de sua voz, no seu próprio DNA, e ele não conseguia cantar uma canção do mesmo jeito duas vezes. Se isso não é jazz, não sei o que mais será.
Ruy Castro
Folha de São Paulo

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