ENTRESSEIO

s.m. 1-vão, cavidade, depressão. 2-espaço ou intervalo entre duas elevações. HUMOR, CURIOSIDADES, UTILIDADES, INUTILIDADES, NOTÍCIAS SOBRE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE BENS CULTURAIS, AQUELA NOTÍCIA QUE INTERESSA A VOCÊ E NÃO ESTÁ NO JORNAL QUE VOCÊ COSTUMA LER, E NEM DÁ NA GLOBO. E PRINCIPALMENTE UM CHUTE NOS FUNDILHOS DE NOSSOS POLÍTICOS SAFADOS, SEMPRE QUE MERECEREM (E ESTÃO SEMPRE MERECENDO)

28 março, 2008

PROFISSÃO: COVEIRA

Sônia Severiano é a única mulher neste emprego no litoral paulista e diz que será feliz quando uma mulher for presidente da República.
Quando a funcionária pública Sônia da Silva Severiano assumiu o cargo de coveira, em outubro de 2005, colegas de trabalho apostaram que ela não suportaria mais de uma semana no Cemitério Morada da Grande Planície, o único de Praia Grande, no litoral de São Paulo. Isso porque fazer sepultamentos e exumações exige mais que equilíbrio emocional: requer força física. Uma força que Sônia desconhecia até ser informada de que, para exercer a função para a qual prestou concurso, precisava saber manejar enxada e picareta. Enfrentou as dificuldades, dedicou-se ao trabalho e hoje mostra as mãos calejadas, marcadas por muitas histórias.
Mãe de três filhos, ela prestou concurso em busca de estabilidade. "Tinha noção do que faria, mas não pensava. Precisava de um emprego que fosse seguro; era tudo o que eu queria na vida. Ganhar muito não importava; buscava a certeza de que no fim do mês teria dinheiro para manter meus filhos", conta.
Sem experiência na construção civil, teve de começar do zero na profissão. "Eu não sabia nem pegar numa colher de pedreiro, aprendi tudo aqui", revela. No primeiro dia de trabalho, Sônia acompanhou o trabalho dos coveiros mais experientes. "No segundo, já fui quebrar parede, aprender a fazer massa. Com 15 dias, comecei a fazer enterros infantis, porque a necessidade era grande. Com 30 dias, já estava fazendo tudo."
Conquista
No começo, a interação com os colegas exigiu muita perseverança. "Até mostrar minha capacidade, foi difícil porque ninguém acreditava. Fizeram aposta, um 'bolão', de que não agüentaria o serviço", relata. "No começo, não queriam uma mulher entre eles. Mas eu gosto de todo mundo, sei conquistar meu ambiente. Tem de levar com bom humor. Hoje há quem prefira trabalhar comigo."
Rotina
Sua rotina no cemitério começa bem cedo, com as exumações, quando ossadas que já tiveram o período vencido são retiradas. Os restos mortais de desconhecidos ou abandonados vão para o setor geral. Os que as famílias comparecem são transferidos para outras sepulturas ou transladados para outros cemitérios. E existem as exumações determinadas pela Justiça, quando os corpos podem ser retirados a qualquer tempo. "Já fiz exumação judicial. É complicado, mas não fico impressionada", afirma. "Até agora, não encontrei nada difícil. Eu me adapto a qualquer sistema."Ao longo do dia, acontecem os enterros, que não têm horários previamente definidos. O trabalho começa com a desocupação e limpeza das áreas onde ficarão os corpos: é preciso quebrar concreto e retirar entulho com carrinho de mão. Mas o momento que exige mais força, além de equilíbrio, é colocar os caixões nas chamadas "gavetas", sepulturas verticais, principalmente nas localizadas nas fileiras mais altas. "Trabalhamos em dois, mas é preciso auxiliar, principalmente se o sepultamento for no quarto ou no quinto andar. A gente tem de subir no andaime, puxar a bancada; agüentar peso", detalha.
Emoção
Nos enterros, fechar o caixão ao fim do velório exige sensibilidade. "Passamos por várias situações. Tem familiar que não aceita que seu ente querido foi embora. Quando a gente chega, alguns se recusam. Aguardo mais um pouco. Sempre tem um parente mais lúcido, a quem digo 'Eu entendo a sua dor, não posso avaliar porque não aconteceu comigo'. É preciso muita calma", prossegue. "Um tempo depois, essa mesma pessoa me procura para exumar um parente. Acontecem essas coisas aqui."Sônia não tem medo de assombrações e ignora lendas. "Sempre andei sozinha aqui dentro; não existe nada disso." Revela que sua sensação é de paz, talvez pelo respeito com que desempenha suas funções. "Trabalhar com os mortos é muito delicado. Precisa haver respeito muito grande com aquele corpo, aquela matéria, porque um dia foi uma pessoa que viveu e produziu, cada uma com sua história, boa ou ruim." Pelas alamedas silenciosas e vazias do cemitério, Sônia às vezes reflete sobre a própria morte, da qual também não tem medo. "A única certeza que temos é a morte. E quando eu me for, gostaria que tivesse alguém que me tratasse com esse mesmo respeito."
Preconceito
Fora dos altos muros e portões do cemitério, Sônia é uma mulher comum, que adora estar em casa e curtir os filhos, especialmente sua netinha. "Ela é meu xodó." Por tudo o que vive numa profissão tipicamente masculina, Sônia acha que o preconceito contra as mulheres ainda existe, apesar de ter diminuído nas últimas décadas, e apóia a atuação feminina em diversas frentes. "Acho isso maravilhoso porque, até pouco tempo atrás, as mulheres não sabiam o potencial que elas tinham, ficavam se lamentando", opina. "Eu fiz 46 anos de idade, trabalho desde os 15. Mesmo na minha geração, fui muito precoce e sempre achei que a mulher tem de mostrar seu potencial. Ela é inteligente, competente, sensível."
Para a coveira, o ditado que a mulher é o "sexo frágil" já foi desmistificado. "De frágil, não tem nada. Sabe por quê? O café da manhã da mulher que trabalha é levar as crianças para a creche. Depois, corre para trabalhar, retorna com os filhos e, chegando em casa, ainda precisa lavar, cozinhar, dar banho nos pequenos, pôr para dormir e cuidar do marido. E ainda saber lidar com cada filho de forma diferente", analisa. "Então, somos supermulheres. Os homens podem ter força física, mas nós temos potencial. Só não somos muita boas para nós mesmas, empurramos nossas necessidades para depois." Como cidadã, guarda um desejo: "Eu só vou ficar feliz quando uma mulher for presidente. A mulher é uma grande administradora e ela não sabe disso. No dia que descobrir, o mundo vai ser diferente".

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