ENTRESSEIO

s.m. 1-vão, cavidade, depressão. 2-espaço ou intervalo entre duas elevações. HUMOR, CURIOSIDADES, UTILIDADES, INUTILIDADES, NOTÍCIAS SOBRE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE BENS CULTURAIS, AQUELA NOTÍCIA QUE INTERESSA A VOCÊ E NÃO ESTÁ NO JORNAL QUE VOCÊ COSTUMA LER, E NEM DÁ NA GLOBO. E PRINCIPALMENTE UM CHUTE NOS FUNDILHOS DE NOSSOS POLÍTICOS SAFADOS, SEMPRE QUE MERECEREM (E ESTÃO SEMPRE MERECENDO)

18 julho, 2008

"O ÁRABE É A LÍNGUA DO SEXO"

A escritora síria Salwa al Neimi rompe tabus com um romance erótico proscrito em países muçulmanos.
"Chegava a sua casa umedecida. Ele introduzia um dedo entre minhas coxas para recolher o mel, como o chamava. O provava e..."
Essas frases seriam inócuas em um romance erótico editado no Ocidente, mas escritas em árabe, por uma mulher árabe e publicadas em um país árabe adquirem outro calado. Sua autora se transforma imediatamente na "mais ousada das romancistas árabes", segundo a rede de televisão Al Jazira.
Salwa al Neimi, síria radicada em Paris, já tem anos de audácia em seus livros de poesia árabe, mas teve de publicar uma novela erótica, "A Comprovação Através do Mel", para que seus compatriotas e aqueles que hoje a lêem em outras línguas tomem consciência de sua ousadia."Deve ser porque ninguém mais lê poesia", comenta desiludida em um café parisiense essa mulher falante, que solta gargalhadas e respira alegria pelos quatro costados, mas que guarda com receio vários fragmentos de sua vida de militante política e também sua idade.
"Não é fácil escrever sobre sexo em árabe, porque o corretor ortográfico sublinha em vermelho montes de palavras adequadas - começando por 'trepar' -, mas que foram indevidamente desterradas da língua", prossegue Neimi.
"Está programado para castrar a linguagem, como muitos de meus compatriotas", brinca. "É um computador eunuco", ri. "No entanto, o árabe é a língua do sexo, por mais que se esforce para esquecê-lo", salienta, agora com gesto grave. "Não é em vão que em nossa cultura o prazer sexual é uma amostra do paraíso."
Apesar da rejeição do corretor, Neimi escreve "trepo, logo existo" e relata em 172 páginas a relação entre a protagonista, que escreve na primeira pessoa, e seu principal parceiro, que chama de O Pensador, um homem ao qual não faltam idéias sobre como acasalar-se. Com ele "minha curiosidade sexual se aprofundou como um abismo".
Tal narrativa incitou os censores a proibir o romance em grande parte do mundo árabe, exceto no Líbano, onde só os maiores de idade podem comprá-lo, nos Emirados Árabes Unidos e, curiosamente, no Magreb.
"Me fecharam as portas da feira do livro de Damasco, minha cidade, mas me abriram as de Casablanca", constata.
"A Comprovação Através do Mel" foi publicado há um ano pela editora libanesa Ryad El-Rayyess e, com uma velocidade surpreendente para o que costumam demorar as obras árabes a ser conhecidas no Ocidente, acaba de ser posta à venda na França pela editora Robert-Lafont. Também está sendo traduzida para outros 17 idiomas.
Os direitos para a Espanha foram adquiridos pela Planeta.
Apesar da proibição, a obra gerou muitos comentários na imprensa árabe, começando pela dos países em que é distribuída clandestinamente depois de ser baixada da Internet. Houve, é claro, jornais como o governista "Al Thawra", de Damasco, que tacharam a autora de prostituta que relembra suas aventuras.
Mas, apesar do puritanismo reinante, essa não foi a tônica geral. "'A Comprovação Através do Mel' é uma obra refinada e que se alça à categoria de grandes artes", afirma, por exemplo, o "Al Ahram", principal jornal do Egito, onde o livro foi vetado.
Mais ainda que a transbordante imaginação sexual do Pensador e a personalidade da autora, o que chocou as elites muçulmanas foi o fato de Neimi apelar para cientistas e poetas árabes para reivindicar a felicidade sexual.
"Não eram marginais, mas eruditos de prestígio os que a defendiam em seus escritos há sete ou oito séculos", afirma a autora."Tenho fome de coito, como tenho fome de alimentos", proclamava o sufi Abdul Qasim al Junaid, enquanto Sidi Mohamed al Nafzawi escreveu: "A vulva não se acalma nem se apazigua, não está satisfeita enquanto não tiver a visita do membro masculino. O membro do homem encontra sua salvação na vagina".
Essas e muitas outras citações salpicam a obra, como que para legitimar o relato erótico."Salwa al Neimi reivindica através de sua novela que se deixe de escrever e falar de sexo mediante alusões e apela aos antigos livros árabes que evocam com franqueza os nomes dos órgãos e as posições sexuais e indicam aquelas que proporcionam mais prazer e bem-estar", afirma o jornal libanês "Al Akhbar".
"Aquele que lê os antigos livros eróticos árabes não pode continuar vivendo na atual miséria [sexual] teórica e prática" de que sofre o mundo árabe, acrescenta o poeta libanês Yahia Jabeur en Al Qods. É o caso da protagonista da obra, para quem "a liberdade de expressão dos antigos sábios me ofuscava, com seu cortejo de palavras que não ouso pronunciar e nem sequer escrever. Uma linguagem excitante. Não podia ler nem uma linha sem ficar úmida"."O que mais me alegrou não são as críticas jornalísticas, mas os comentários dos jovens em fóruns na Internet ou algum e-mail que me chegou através da editora", lembra Neimi.
"Você nos reconciliou com nossos corpos", me escreveu um jornalista sírio. Neimi menciona em sua novela até os "hadiths" do profeta, as palavras de Maomé recolhidas por seus companheiros e que serve para interpretar o Corão. "Pode-se pronunciar uma 'fatwa' [édito islâmico] contra uma obra que cita os textos sagrados?", pergunta-se o jornal "Le Temps" de Túnis, antes de dar por certo que a escritora não terá a sorte de Salman Rushdie, autor de "Versículos Satânicos", que o aiatolá Khomeini condenou à morte.
A autora, mãe de dois filhos, também não acredita que esteja ameaçada, mas toma precauções. Pede que se omita o nome da instituição onde trabalha e o de seu marido, porque com seu sobrenome seria fácil encontrar seu endereço. Neimi não é a primeira intelectual árabe que desempoeira velhos volumes para ressuscitar um patrimônio cultural sepultado por séculos de rigor e décadas de integralismo. "A marcha para trás começa no século 17", explica.
Malek Chebel, um antropólogo argelino radicado em Paris, escreveu há dois anos "O Kama Sutra Árabe" para "exumar os grandes textos do erotismo em terras do islã". Agora se desfaz em elogios para o romance de Neimi, que considera "precursora de uma geração de mulheres árabes decididas a se desfazer dos tabus"."Não sou uma pioneira", ela responde com modéstia. "Há outras escritoras, como as libanesas Hoda Barakat, Iman Humaydane Younes ou Alawiya Sobh, que também ousam", afirma. Suas novelas mais recentes podem incluir algum episódio sexual, mas comparadas com "A Comprovação Através do Mel" são relatos inocentes. "Somos cada vez mais", insiste Neimi, "e por isso um jornal do golfo Pérsico se referiu à 'intifada sexual feminina'" depois de séculos de submissão. Por que durou tanto? A autora suspira: "A pergunta exige uma resposta longa demais".
Ignacio Cembrero
Em Paris (EL PAÍS)
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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