CULTURA, PATRIMÔNIO CULTURAL E HISTÓRICO - 20-10-10
A sustentabilidade do Pelourinho restaurado
Reproduzo aqui a minha palestra proferida na Comissão Especial de Promoção da Igualdade da Assembléia Legislativa da Bahia no dia 31 de março de 2009, para subsidiar os estudantes interessados no tema e os demais leitores deste blog (Publicada originalmente em 15/04/2009).
O Centro Histórico de Salvador tem uma superfície de 76 hectares e abriga aproximadamente três mil imóveis de caráter civil, religioso e militar. É considerado o maior conjunto barroco-colonial das Américas e devido a sua monumentalidade e importância arquitetônica, artística, histórica e cultural foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em 1985.
Com população residente e flutuante estimada de 46 mil pessoas, constitui uma paisagem física e humana que, por sua riqueza e diversidade, é das mais interessantes que conhecemos.
Historicamente, o Pelourinho foi o bairro aristocrático de Salvador a partir do século XVIII, e com a saída das elites (início do século XX) para os bairros mais ao sul que surgiam – Vitória, Barra e Graça – o seu casario vai sendo ocupado primeiro por uma classe média e, depois, por uma população de migrantes pobres e excluídos sociais, que retalham o espaço arquitetônico existente, transformando os sobrados coloniais em cortiços.
Porém, a maior degradação física e social vai ocorre quando em 1930 a polícia de costumes da época
delimita o bairro do Maciel como zona de prostituição da cidade.
A prostituição atrai atividades paralelas e derivadas como o banditismo e o tráfico de drogas, o que vai tornar o Centro histórico em zona insegura e uma chaga social.
O processo de perda de importância que o Centro Antigo vai passar já nos anos 1970, com a saída de instituições públicas após a construção do CAB (Centro Administrativo da Bahia, distante 20km do Centro) vai contribuir em muito para a decadência do lugar. Aí temos uma realidade de decadência física e social instalada no Centro Histórico.
As primeiras políticas públicas de preservação patrimonial no Brasil remontam a 1937 (Governo Vargas), quando foi criado aquele que é o atual IPHAN.
Infelizmente essas leis de defesa do patrimônio histórico nacional chegaram depois do crime que foi a derrubada da Igreja da Sé (1933), a antiga catedral da Arquidiocese de Salvador.
As primeiras medidas protecionistas em Salvador ocorreram em 1959, com a defesa de monumentos isolados.
De 1959 até 2006, foram desenvolvidas cerca de 20 políticas públicas de proteção ao patrimônio histórico da cidade. Na minha Tese de Doutorado analiso algumas destas. Aqui comentarei brevemente aquelas que considero mais significativas.
Em 1967 há investimentos no Largo do Pelourinho e ao longo do trajeto turístico. Turismo ainda insipiente. Um percurso que começava na Praça da Sé, ia pelo Terreiro de Jesus, rua Alfredo Brito (Ladeira do Pelô), Largo do Pelourinho e Ladeira do Carmo.
Essas intervenções e as que se seguiram foram executadas pelo IPAC e tinham dois principais aspectos: 1. recuperar imóveis para instalação de equipamentos públicos; 2. uma política assistencialista à população marginalizada local.
Uma crítica que se fazia a ação do IPAC na época (1970-80), é que eram políticas paternalistas e clientelistas, com a população local se tornando “cliente” do órgão público; além disso, era um órgão disfuncional, pois apenas 15% dos seus recursos chegavam a atividade fim, que era a preservação patrimonial. Os 85% restantes se perdiam no labirinto da burocracia.
Na década de 1980, com as primeiras eleições municipais diretas após a Ditadura Militar, uma interessante política pública é implementada, mas com pouca eficácia.
É criado o programa municipal de revitalização dos sítios históricos; idealizado um “Parque Histórico do Pelourinho” e feita uma arrojada estratégia de marketing. Os resultados dessas intervenções foram pequenos, pontuais. Como registros ficaram o Conjunto da Casa do Benin; da Ladeira da Misericórdia, o Cine Glauber Rocha e o Teatro Gregório de Matos – estes últimos recuperados novamente agora em 2009, para ser um complexo de salas cinematográficas.
Paralelo a essas ações do poder público, surge um movimento social e cultural no Pelourinho de negritude: a valorização da cultura, arte, historia, estética e tudo a que se refere aos afro-descendentes.
A “Terça-feira da Benção”, afoxés e blocos carnavalescos como o Olodum, a música, vão impulsionar a indústria cultural baiana, quando a arte vira um negócio.
Cria-se um produto chamado Bahia, mundialmente conhecido; vive-se um boom cultural na Bahia, sendo o seu auge o carnaval e o local especial de realização disso é o Centro Histórico.
Uma revitalização social muito antes da recuperação física do Centro Histórico. Nesse período, cerca de 165 ONGs (Organizações Não Governamentais) se instalam no Centro Histórico, sejam elas de caráter cultural, sindical, educacional, artística, ambiental etc.
Em 1991 o Governo da Bahia lança o Programa de Recuperação do Centro Histórico de Salvador, visando promover a restauração física da área, redefinindo sua função em relação à cidade e região metropolitana, priorizando a reabilitação urbana para o desenvolvimento do turismo e lazer.
Um grande volume de investimento é realizado em um curto espaço de tempo, nas primeiras quatro etapas do Programa, com 334 casarões de 16 quadras restaurados até dezembro de 1994.
Todo um trabalho de dotação de infra-estrutura foi feito, e com a quinta, sexta e sétima etapas – esta ainda em andamento – são 706 os imóveis restaurados.
Ocorre uma requalificação funcional da área, e o que era antes predominantemente habitacional passou a ser o espaço com maior número de pontos comerciais do Centro Histórico.
Todo um complexo de comércio e serviços foi instaurado: bares; restaurantes; galerias; ateliês; escolas de arte, dança, línguas e música; grandes joalherias; lojas de pedrarias, souvenires, tapeçaria e pintura; sedes de entidades culturais (blocos e afoxés); pousadas e albergues; serviços de água, correios, luz, telefone, turismo, bancos, posto médico, entre outros.
Foi Resolvida a questão da segurança com a implantação do 18º Batalhão da Polícia Militar, ao lado do Plano Inclinado Gonçalves, que junto com a Delegacia de Proteção ao Turista são os responsáveis pela vigilância do local.
O Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia (DESENBANCO, atual DESENBAHIA) atuou como agente financiador dos investimentos privados através de financiamentos concentrados em empreendimentos voltados para o lazer e o turismo.
O sucesso do empreendimento foi imediato, e o Pelourinho virou moda, e a imagem da cidade foi definitivamente vinculada ao seu Centro Histórico.
O lado negativo da intervenção foi o êxodo populacional forçado, a “operação deportação” que retirou da área cerca de 3.190 moradores e pequenos comerciantes.
Paradoxalmente, isso mais recentemente, quando a classe média alta se desinteressou pela freqüência ao Centro Histórico, encontrando novos espaços de recreação e lazer nos shoppings, litoral norte etc., serão as classes populares que passarão a manter revitalizada a área. A mesma classe social que foi expulsa do Pelourinho.
Para manter a área voltada para o turismo e lazer, o governo da época criou o Projeto Pelourinho Dia & Noite e dois grandes eventos anuais: São João no Pelô e o Natal no Pelô.
Outro grande evento, este articulado com um todo maior, é o Carnaval no Pelô.
Cabe registrar que Pelô é um codinome carinhoso, alcunhado pela população, para o bairro do Pelourinho.
Agora vamos discorrer um pouco sobre a questão da sustentabilidade do Pelourinho restaurado, tema central da Audiência Pública de hoje.
A atuação do governo da Bahia no funcionamento e administração do Pelourinho foi o fator determinante para assegurar o êxito e a manutenção do Programa de Recuperação. O poder público estadual assumiu praticamente todos os encargos administrativos e financeiros decorrentes da gestão da área.
O governo foi o responsável direto tanto pela recuperação da área quanto pela sua conservação. É quem realiza, por exemplo, obras de manutenção hidráulica, elétrica, além de serviços de pintura das fachadas e conserto de paredes.
Este modelo se apresenta como bastante cômodo para os empreendedores estabelecidos na região, que são os seus principais beneficiários.
Nos últimos anos tem-se enaltecido na administração brasileira a importância da gestão urbana através da parceria público-privado, alternativa possível na resolução de problemas das cidades brasileiras.
Este não é o caso do Centro Histórico de Salvador: a mínima cooperação público-privado no provimento de bens coletivos, tais como os eventos artísticos, a conservação e manutenção dos imóveis, a pavimentação das ruas, não é realizada, nem há qualquer perspectiva de participação dos comerciantes do lugar.
Os serviços públicos de caráter especial, que são realizados na área, como limpeza urbana, policiamento ostensivo, serviço de proteção contra incêndio, iluminação pública, esgotamento sanitário, entre outros, são executados pelo poder público sem que seja exigida dos comerciantes ali instalados qualquer contrapartida, isso estimula uma postura passiva e oportunista por parte destes últimos.
Por outro lado, em sua grande maioria as empresas do Centro Histórico não possuem aporte de capital suficiente para fazer frente a um investimento macroeconômico de tal porte como foi a recuperação do Pelourinho.
O perfil empresarial instalado no lugar é de pequenos empreendedores carentes de recursos (capital de giro) que vivem em crônica situação deficitária.
A prioridade dos empresários dos estabelecimentos comerciais e de serviços do Pelourinho é da busca de viabilidade, a curto prazo, dos seus negócios, sem nenhuma preocupação com o funcionamento conjunto ou com a manutenção futura do lugar.
Um dado relevante a se considerar é o grande número de empresários que receberam financiamento público para se estabelecerem no Pelourinho e se tornaram inadimplentes junto ao órgão estadual de fomento (DESENBAHIA).
Mesmo assim, estes foram posteriormente beneficiados pelo governo ao granjearem o “perdão” governamental - através do reescalonamento das dívidas - ao invés de execução judicial.
Atualmente, a inadimplência dos comerciantes do lugar é elevada também no não pagamento dos alugueis e outros débitos contratuais.
Isto gera um quadro de dependência do empresariado local, que passa a defender a atuação exclusiva do governo do estado na gestão do Pelourinho. Evidencia assim a inviabilidade de qualquer expectativa deste empresariado assumir responsabilidades com a manutenção física da área restaurada.
A ação paternalista do IPAC, exercida em décadas anteriores é revivida, só que em outro patamar: não mais para a satisfação de demandas da população residente, e sim para atender interesses dos negociantes da zona.
Nota-se no Pelourinho a ausência de qualquer mecanismo de ordenamento e funcionamento das atividades comerciais. Os comerciantes ali estabelecidos, ao se encontrarem em situação deficitária num ramo de atividade, mudam rapidamente para outro ramo, geralmente com a conversão dos seus estabelecimentos em bares.
Esta atitude dificulta o desenvolvimento de funções heterogêneas exercidas conjuntamente no mesmo espaço físico das ruas centenárias. A proliferação de bares cria problemas de superoferta de estabelecimentos deste tipo, gera uma oferta pouco qualificada e diversificada de serviços, e provoca poluição sonora que prejudica outras atividades: o barulho ensurdecedor produzido por bares de funcionamento diuturno, por exemplo, estorva o funcionamento de pousadas, albergues, escritórios e ateliês da vizinhança.
Sugestões e recomendações.
A recuperação e reabilitação do Centro Histórico de Salvador contribuíram em muito para o aumento do fluxo turístico internacional no segmento denominado turismo histórico-cultural. Lamentavelmente, expandiu-se também o censurável turismo sexual, que sob a designação “turismo de lazer” tem fomentado a exploração sexual da criança e da juventude baiana, notadamente aquelas pertencentes às classes sociais de baixa renda.
O Estado brasileiro, através do seu aparato jurídico-institucional, e a sociedade civil, por meio de organizações não-governamentais de defesa da criança e da juventude, tem desenvolvido ações de combate a essa hedionda prática na forma de educação e informação, fiscalização, incriminação e punição. Recomenda-se o aperfeiçoamento desses instrumentos para torná-los mais eficazes.
As intervenções, feitas até o presente, privilegiando ora o binômio turismo-lazer, ora a instalação de atividades de serviços públicos, ou até residualmente de habitação, não asseguram uma organicidade revitalizadora capaz de dotar o Centro Histórico de sustentabilidade.
Acredita-se que, se o governo da Bahia dispensar a tutela e os investimentos de manutenção do patrimônio já recuperado – como ocorreu no ano de 2007 - corre-se o risco do retorno a uma situação semelhante à anterior. Isso provoca uma relativa incerteza quanto ao futuro da área restaurada.
Pelas características intrínsecas do Centro Histórico de Salvador e da importância da sua inserção sócio-urbana regional, se faz imprescindível que o Estado tome para si a maior responsabilidade de promover, financiar e subsidiar o desenvolvimento desse subespaço urbano.
Esta é a principal e fundamental recomendação: que o Estado continue a ser o principal agente de recuperação e conservação do Pelourinho, da sua estrutura física, até porque o Governo da Bahia é o maior proprietário de imóveis do lugar (estimativamente 432 imóveis, cerca de um terço da área do Pelourinho, de 1.350 unidades).
Que o Governo da Bahia continue também a ser o principal animador cultural, não com o retorno a projetos anteriores, mas sim com projetos e ações melhores, mais criativos e inovadores.
Contudo, os demais agentes urbanos precisam estar devidamente engajados no processo - com direitos e deveres bem demarcados - para garantir o sucesso do empreendimento.
Finalizando, um centro histórico que foi considerado Patrimônio Cultural da Humanidade e que é peça central na estratégia de fomento ao turismo para o desenvolvimento econômico regional, requer um zelo especial da administração pública para manter-se ativo e revitalizado.
Juarez Duarte Bomfim é professor adjunto do Departamento de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), e membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Contemporaneidade (NUC).
Centro cultural de memória da escravidão ganha prêmio
Rio de Janeiro (Agência Brasil) – Uma casa colonial na zona portuária da capital fluminense guarda um acervo arqueológico que traz muito da história do Brasil Colônia. São restos mortais de africanos escravizados no século 18, que não resistiram ao tráfico e foram ali enterrados, antes mesmo de serem vendidos no principal mercado de cativos do país, na mesma região.
Descoberto por acaso, o cemitério foi transformado em centro cultural em 2006. Reconhecido por suas oficinas de história para professores, estudantes e guias turísticos, o centro cultural receberá um prêmio do Ministério da Cultura, na próxima semana, em Brasília, por preservar as relações de memória entre o Brasil e África. Só neste ano, o centro atendeu cerca de 400 alunos.
A descoberta do Cemitério dos Pretos Novos, como é conhecido o lugar, foi feita por Merced Guimarães e seu marido, há 14 anos, quando eles reformavam a casa em que moravam e que hoje é o centro cultural. O fato surpreendeu aos donos da casa e a historiadores, deu origem a inúmeras pesquisas e fez com que Merced e o marido transformassem o local num símbolo "do holocausto dos negros".
"Encontramos o cemitério, que era tido como uma lenda. Representa um história rica, de relação com a África, marcada por um holocausto, um crime contra a humanidade", destacou Merced, que é diretora-presidente da instituição.
Agora, ela pretende investir o dinheiro do prêmio na melhoria da infraestrutura do centro cultural, que passa por dificuldades financeiras. Segundo Merced, os recursos serão aplicados na organização da parte administrativa, na montagem de uma biblioteca e para o pagamento de parte das despesas. "Incentivamos a educação. O conhecimento do passado para o presente, mas temos que pagar contas", disse. A instituição cultural funciona como Ponto de Cultura, iniciativa cultural da sociedade civil que conta com recursos do governo federal em parceria com o governo estadual.
O Cemitério dos Pretos Novos está localizado entre os bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, correspondente ao entreposto conhecido como Valongo, por onde os historiadores estimam a passagem de cerca de 1 milhão de africanos escravizados. No local, os estudos indicam que os escravos eram enterrados em covas coletivas e muitos até mesmo vivos, por estarem doentes.
Até os dias atuais, a zona portuária é marcada pela história da escravidão. A região é chamada de Pequena África e abriga o monumento A Pedra do Sal, núcleo simbólico do trabalho dos estivadores, negros recém-libertos, e que também faz referência à origem do samba. No bairro, está ainda o Centro Cultural José Bonifácio, de referência à cultura afro-brasileira.
Marcadores: cultura, patr. cultural, patr. histórico
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