ATUALIDADES - 3-12-10
Traçado do trem-bala atravessa mais de 300 áreas de mineração
Caminho ainda é preliminar, mas gera protestos de mineradoras, que falam em desabastecimento de material de construção
Além de dividir ao meio um hospital e a sede uma prefeitura, passando também por mananciais, um campo de golfe e condomínios residenciais de luxo, o traçado do trem-bala atravessa mais de 300 áreas com processos de mineração. São regiões que já produzem, outras que abrigam pesquisas, algumas requeridas para lavra, em processo de licenciamento ou colocadas em disponibilidade pelo próprio governo para atividades de extração mineral no estado de São Paulo.
O traçado previsto para o trem-bala
Dezenas de tipos de substâncias minerais estão no caminho do primeiro Trem de Alta Velocidade (TAV) do País, entre as quais ouro, caulim, argila, bauxita, granito, calcário, areia. O levantamento, entregue pelas mineradoras à Agência Nacional dos Transportes (ANTT), a partir de dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), não inclui processos minerários no território do Rio de Janeiro, estado bem mais mosdesto em atividades deste tipo. O trajeto de 511 quilômetros de extensão cortará 38 cidades para levar passageiros de Campinas ao Rio de Janeiro, passando por São Paulo.
O desenho ainda não é definitivo: para manter as premissas de custos e outras questões poderá ser alterado em até um quilômetro para cada lado da ferrovia. A margem, porém, é insuficiente para tirar o trem do caminho de inúmeros empresários, governantes, ambientalistas e famílias insatisfeitas com a perspectiva de remoção. Orçado em R$ 34,6 bilhões - há quem diga que pode chegar ao dobro deste valor conforme as contingências que teriam sido excluídas do traçado original -, o empreendimento deve ser licitado em 16 de dezembro, segundo o cronograma atual. A entrega das propostas dos interessados em participar do leilão está prevista para o próximo dia 29.
As mineradoras relatam que o caminho do trem, onde está, vai interromper importantes projetos de mineração, muitos já em produção. E poderá provocar desabastecimento de materiais de construção – dada a quantidade de projetos de infraestrutura alavancados pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), pelo Minha Casa Minha Vida, além das Olimpíadas de 2016 e a Copa do Mundo de 2014. Também alertam o governo para os riscos com a segurança da operação da ferrovia.
De acordo com o Sindicato da Indústria de Mineração de Pedra Britada do Estado de São Paulo (Sindipedras), os estudos preliminares que culminaram no traçado do trem-bala não abordaram a questão da estabilidade do solo em áreas em bacias com material fino, como areia e também não consideraram a distância exigida pelas vibrações resultantes do uso de explosivos nas áreas de frente de lavra.
Perigo de pedras no caminho
Como resposta, a ANTT publicou em seu site a possibilidade de alterar trechos que atravessam as pedreiras. O trem-bala deve se desviar das pedras no caminho, em caso de risco para a operação. “O Traçado Proposto deverá desviar de pedreiras, pois há limitações técnicas à passagem do TAV Rio de Janeiro - Campinas por trechos sujeitos a explosões com dinamite a distância relativamente curta, em face de vibrações e estilhaços de rochas, que implica a desativação total dessa atividade mineraria, envolvendo potencial de indenizações de alto valor”.
Para os representantes da indústria, porém, não ficou claro onde o traçado será alterado, já que são inúmeros pontos de exploração distribuídos em municípios como Santa Isabel, São Paulo, Arujá, Guararema. “O governo ainda não nos deu resposta. Quem vai tratar desses assuntos será a concessionária que vencer a licitação”, informa Sandra Maia, que representa as mineradoras por meio do Sindicato das Indústrias de Extração de Areia de São Paulo (Sindareia).
Indenizações subestimadas?
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ator fundamental na elaboração dos estudos do trem-bala, reitera que o projeto de engenharia ainda não está pronto e sua responsabilidade “caberá, inteiramente à concessionária do TAV a responsabilidade pela realização do projeto de engenharia, assim como pelos custos finais do empreendimento”. “Os estudos sobre o TAV possuem caráter referencial e não vinculam as estimativas de custo do empreendimento”, acrescenta o banco de fomento em resposta ao iG. “Em função disso, os custos de desapropriação e reassentamento serão calculados a partir do novo traçado proposto pelos licitantes”.
Os estudos preliminares não discriminam as despesas com as mineradoras. Os custos socioambientais consumirão cerca de 10% do valor do projeto - cerca de R$ 3,9 bilhões. A cifra, que inclui gastos com indenizações, compra de terras e compensações ambientais, é considerada insuficiente por empresas e políticos que estão no meio do caminho do TAV. “O custo de desapropriações será substancialmente elevado, dada a existência não apenas de empresas em funcionamento, mas também de jazidas já requeridas, em fase de pesquisa ou de obtenção de portaria de lavra junto ao DNPM, as quais deverão ser indenizadas, como determina a lei.”
Areia abastece 70% de São Paulo
Segundo o Sindipedras, os empreendimentos no meio do traçado respondem por reservas de minerais de 800 milhões de toneladas de pedras para a construção civil, com vida últil de mais de 100 anos. E geram um total de 800 empregos diretos.
Já a areia produzida no Vale do Paraíba abastece 70% do mercado de areia para a construção civil da região metropolitana de São Paulo. “O eventual choque da implantação da ferrovia sobre expressiva parcela de minerações irá acarretar como conseqüência inevitável, além de impacto sobre abastecimento do produto, danos econômicos e sociais de grave monta, uma vez que a atividade é responsável por boa parte da movimentação economico-financeira daquelas regiões, gerando inúmeros empregos diretos e indiretos”.
Hospital e prefeitura ao meio
Bonfílio Alves Ferreira, secretário de meio ambiente de Caieiras, uma das cidades mais afetadas pelo traçado, afirma que a estimativa de custo do projeto não reflete a realidade da obra, porque os estudos ainda são muito preliminares. “No edital não está previsto fornecimento de sistema de energia , não há estudos suficientes de geotecnia. A opção ferroviária é corretíssima, mas não desse jeito. Tem que ter todos os custos definidos e esclarecidos. Para mim isso é uma aventura grave que não poderia estar acontecendo”, opina.
Pelo desenho atual, o trem-bala passará no meio de uma maternidade construída há apenas dois anos em Caieiras. O mesmo acontece com a sede da Prefeitura. O desvio de um quilômetro previsto no estudo, jogaria a linha do trem nos municípios vizinhos. “Se for para um lado, acaba com Franco da Rocha e, se for por outro, passa por cima de Cajamar”, cita outro funcionário.
Em Itupeva, o trem-bala atravessaria um campo de golfe e um condomínio de luxo. O diretor de Obras da cidade, Francisco Adolfo de Arruda Fanchini, enviou manifesto à ANTT para alertar sobre os riscos e os prejuízos que implicam o traçado. Segundo ele, empreendimentos imobiliários foram interompidos pelas incertezas do projeto do trem.
Sabrina Lorenzi, iG Rio de Janeiro
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