ENTRESSEIO

s.m. 1-vão, cavidade, depressão. 2-espaço ou intervalo entre duas elevações. HUMOR, CURIOSIDADES, UTILIDADES, INUTILIDADES, NOTÍCIAS SOBRE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE BENS CULTURAIS, AQUELA NOTÍCIA QUE INTERESSA A VOCÊ E NÃO ESTÁ NO JORNAL QUE VOCÊ COSTUMA LER, E NEM DÁ NA GLOBO. E PRINCIPALMENTE UM CHUTE NOS FUNDILHOS DE NOSSOS POLÍTICOS SAFADOS, SEMPRE QUE MERECEREM (E ESTÃO SEMPRE MERECENDO)

28 setembro, 2007

O NOME DA MARVADA




Desde 2001, a boa e velha cachaça tem uma data do calendário nacional reservada em sua homenagem: 21 de maio. Apesar de comemorar "aniversário" apenas um dia por ano, a bebida oficial do Brasil já foi batizada incontáveis vezes. Nomes de animais, como Oncinha ou Tatuzinho, apelidos de mulheres, como Magnífica, termos de umbanda, como Preto Velho, e frases de sentido duvidoso, como Nuku e Atrás do Saco, já serviram para rotular as garrafas desse patrimônio nacional.

Com mais de oito mil exemplares em seu Museu da Cachaça, instalado em Pernambuco, o expert José Moisés de Moura já viu todo tipo de inscrição em garrafa de cachaça. Tanto é que sua coleção encontra-se dividida segundo os temas que motivaram as nomeações. "Tem muito rótulo curioso aqui. Tem uma que chama Alegria de Pobre que traduz a verdade, né? O povo sempre tá alegre quanto tá bebendo", diz ele.
Na coleção, ainda há a 5 X 2 , feita para registrar o placar da histórica final entre Brasil e Suécia na Copa de 1958, a Aliada, criada para "animar" os aliados durante a Segunda Guerra, a Capa Preta, que aludiu ao político Tenório Cavalcanti, conhecido na década de 60 como "o homem da capa preta", e uma infinidade de cachaças numeradas, com nomes indígenas, de santos e, principalmente, inspiradas nas regiões onde foram erguidos seus próprios alambiques.
"Quando alguém sério resolve fabricar, sempre procura colocar o nome ou algo que remeta ao local da produção", explica. É esse princípio que seguem marcas como a Monjopina, produzida no Engenho Monjope e comercializada desde os idos de 1700, a Caninha da Roça e a Paraty, que na sua região é praticamente um sinônimo da branquinha. "A avó de minha mulher costumava tomar muito Paraty. Quando comecei a produzir cachaça, queria batizá-la com o nome dela, Dona Estela, mas esse nome já estava registrado. Aí, fiz uma homenagem a minha mulher", conta João Luiz Coutinho de Faria, produtor da carioca Magnífica.
Assim como ele, Milton Martucelli também pensou na mulher na hora de registrar sua cachaça, a Angelina. Para ambos, o nome da bebida tem que ter uma história. "Cachaça requer bate-papo e todo bate-papo tem que ter uma história. Por isso o que existe por trás do nome dela é tão importante: as pessoas até gravam a marca mais facilmente quando sabem o porquê", diz Martucelli. João Luiz completa: "O rótulo tem que ser baseado naquilo que te motivou a produzir a cachaça".
E não é que muitos produtores seguem essa máxima ao pé da letra? Segundo um causo que o próprio João conta, o prefeito de uma pequena cidade interiorana cansou de atender às reclamações do povo e resolveu tomar uma Providência. Assim, criou o nome de uma das cachaças mais lembradas em piadinhas políticas até hoje, seguida pela não menos irônica aguardente Atitude - de propriedade da agroindústria do falecido político goiano Ary Valadão. "Hoje mesmo um amigo me falou sobre uma família de surdos-mudos de um lugar distante aqui do Rio, que produz a cachaça Minuto de Silêncio . Pode?", diverte-se o marido da Magnífica.
Rótulo X Qualidade
Em qualquer boteco ou cachaçaria pé-sujo que se preze existe pelo menos um exemplar de marca de duplo sentido - sendo um deles (ou os dois) de apelo sexual. Amansa-sogra, Cura-Veado, Suor de Noiva e até a comprida frase do rótulo baiano Se a patroa soltar o rabo o marido leva chifre são algumas das pérolas do receituário cachaceiro nacional. Disputadas, geralmente, por turistas, elas são tratadas como souvenir ou presente de grego, mas têm suas qualidades questionadas pelos entendidos no assunto.
"Normalmente, quem coloca esses nomes de sacanagem nem produz cachaça. Compra de um engenho, com um teor alcoólico muito alto e sem nenhuma qualidade de fabricação, rotula e vende pra quem quer tirar um sarro", explica José Moisés de Moura. De acordo com seus 20 anos de experiência na área, cachaça da boa mesmo é aquela produzida em alambique, que passou pela vistoria do Ministério da Agricultura e, por isso, tem seu selo estampado no rótulo. "A passagem pelo ministério garante que a cachaça não teve nenhum tipo de contaminação desde a colheita da cana até sua produção. Tem usina que demora para descarregar a produção na moenda e, quando isso acontece, vai até cobra e rato junto", diz Moura.
Observar a data de fabricação e o local de origem também é importante, já que quanto mais antiga, melhor é a marvada e, se feita em regiões, digamos, de bom terroir, como a hors concours Salinas, em Minas Gerais, melhor ainda.
"Mas o importante mesmo é dizer que não existe uma cachaça ruim nem boa. Existe o produto que agrada o paladar de determinada pessoa. Não é porque a Anísio Santiago é a mais cara [R$ 300,00 em média, a garrafa] que é a melhor para uma pessoa. Cada um tem a sua preferida", explica o apreciador, que ainda não produziu sua própria cachaça. "Se eu tivesse que batizar o meu produto, daria o nome de Moura do Museu, afinal, eu já virei referência em termos de cachaça". Com toda a razão.
Viviane Aguiar

OS TRÊS MANDAMENTOS DO BATISMO
• Não beba para escolher: cachaça de respeito tem que levar na identidade um nome que remeta a um significado sério. Pense no motivo que levou a gostar da branquinha ou a fabricá-la antes de fazer a escolha. "Tem que pensar que o nome da cachaça pode contribuir com a história do país e por isso não pode ser um nome aleatório", exagera Moura.
• Nada de sacanagem: rótulos de apelo sexual não são bem vistos por quem realmente aprecia cachaça. Portanto, não ceda à tentação de dar nomes como "HRomeu" ou "Espanta vaca" a sua cria. Além de óbvios, esses títulos são dados a bebidas de má qualidade, que servem apenas como souvenir.
• Cachaça não é pinga, nem cachaceiro é pinguço: em primeiro lugar, estamos falando de cachaça, aquela produzida artesanalmente, e não de pinga, aquela industrializada e produzida em série. Para não contribuir com o preconceito que ainda rotula quem está bêbado de"cachaceiro" (mesmo que tenha exagerado no Prosecco), não faça citações à alcoolismo no rótulo, do tipo "Agüenta" ou "Balança, mas não cai".
Fontes: José Moisés e Moura, do Museu da Cachaça,
e João Luiz Coutinho de Faria, produtor da Cachaça Magnífica.

Marcadores:

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial