INTERESSA, OU NÃO? - 3-12-08
Crise? Que crise?
Estou cancelando as minhas assinaturas das revistas Esquire e GQ. É a crise. Não se trata de economizar meros US$ 25 por ano - que é a média do custo de subscrição dessas publicações com desconto para profissionais de jornalismo. O problema é a raiva que as páginas motivam aos leitores, como eu, sem carteiras gordas. As reportagens e textos literários que marcaram gerações foram substituídos por guias de compras. E, pelo visto, só o Warren Buffet tem bufunfa para encarar as sugestões de consumo.
Estou cancelando as minhas assinaturas das revistas Esquire e GQ. É a crise. Não se trata de economizar meros US$ 25 por ano - que é a média do custo de subscrição dessas publicações com desconto para profissionais de jornalismo. O problema é a raiva que as páginas motivam aos leitores, como eu, sem carteiras gordas. As reportagens e textos literários que marcaram gerações foram substituídos por guias de compras. E, pelo visto, só o Warren Buffet tem bufunfa para encarar as sugestões de consumo.
Exemplo: na edição de novembro da Esquire - com a bela Halle Berry na capa e apontada como a mulher mais sexy do planeta - há uma seleção de relógios de pulso. Entre as peças está o "Jacob & Co. Quenttin 31-day Power Reserve". O mostrador parece uma minimáquina caça-níqueis. Mas o bicho só conta minutos e horas. Ou seja, não solta raio laser, não serra algemas, não dispara petardos, não serve como telefone e fax: não é um acessório bélico do James Bond. O preço do mimo: US$ 360.000 (trezentos e sessenta mil dólares). Deve vir empacotado num Lamborghini Gallardo (um zero-quilômetro sai por US$ 350.000).Pode-se imaginar que o relógio é apenas uma curiosidade, entre outras amostras. Não é! A peça mais barata do grupo de 25 medidores de horas é um Raymond Well de US$ 1.250.
Recomendam os editores que esse exemplar seja usado com um smoking, que curiosamente pode ser comprado por menos da metade do preço do acessório: US$ 600.
Os desconfiados vão dizer que peguei itens exagerados. Mas, quando se vê nas páginas seguintes a recomendação de um hidratante de pele, para homens, pela bagatela de US$ 72, e cujo conteúdo caberia num dedal, dá para sentir o drama.
Quem compra essas coisas?
A GQ, do mesmo mês, dá a dica de uma luva de cashmere, sem as pontas dos dedos - como aquelas usadas por mendigos de caricatura. Pode ser comprada por US$ 480. Por essa grana espera-se, pelo menos, uma luva inteira. O freguês paga uma fortuna para ter hipotermia na falangeta. Uma calça jeans de lenhador (para aqueles que moram numa urbe, mas têm fetiche com machão trabalhador rural), custa US$ 400. A bota que acompanha a fantasia pode chegar a US$ 625. O suéter Dolce&Gabbana, de lã já previamente malhada e com manchas, vai diminuir sua conta bancária em US$ 950. A camiseta da mesma marca come US$ 375, e a camisa xadrez, US$ 179. Não dão os valores das meias e cueca. A soma para esse uniforme ecologicamente incorreto dá US$ 3.009, sem contar as roupas de baixo.
Recentemente, minha sogra me deu de presente um terno Ralph Lauren - Purple Label, que é top da marca - comprado numa liquidação por US$ 210. Só não vesti ainda porque tenho medo de apanhar na rua: fico parecido com banqueiro e a turma não anda perdoando essa escumalha. No entanto, caso saísse de lenhador, passaria incólume por Wall Street, ainda que houvesse torrado mais de 14 vezes o valor de uma fantasia de financista.Numa edição passada da Esquire, imprimiu-se uma lista com sugestões de pastas feitas com couros de répteis. A mais barata custava US$ 5.000. Por esse preço quero uma mala 'aspone' feita com a pele do René Lacoste (aquele tenista francês que era apelidado "Jacaré" e deu origem às camisas que têm o animal como logomarca).Tanto a GQ quanto a Esquire já tiveram suas páginas ocupadas com reportagens magníficas de Tom Wolfe e Gay Talese. Ambos são extremamente elegantes, preocupados com suas vestes e entendem um bocado dos trabalhos de alfaiataria. Escreveram livros sobre isso. É simbólico que esses escribas já não produzam um único centímetro de texto para as publicações. Não devem ter grana para comprar os trajes exigidos nas reuniões de pauta.
Osmar Freitas Jr. -
Recentemente, minha sogra me deu de presente um terno Ralph Lauren - Purple Label, que é top da marca - comprado numa liquidação por US$ 210. Só não vesti ainda porque tenho medo de apanhar na rua: fico parecido com banqueiro e a turma não anda perdoando essa escumalha. No entanto, caso saísse de lenhador, passaria incólume por Wall Street, ainda que houvesse torrado mais de 14 vezes o valor de uma fantasia de financista.Numa edição passada da Esquire, imprimiu-se uma lista com sugestões de pastas feitas com couros de répteis. A mais barata custava US$ 5.000. Por esse preço quero uma mala 'aspone' feita com a pele do René Lacoste (aquele tenista francês que era apelidado "Jacaré" e deu origem às camisas que têm o animal como logomarca).Tanto a GQ quanto a Esquire já tiveram suas páginas ocupadas com reportagens magníficas de Tom Wolfe e Gay Talese. Ambos são extremamente elegantes, preocupados com suas vestes e entendem um bocado dos trabalhos de alfaiataria. Escreveram livros sobre isso. É simbólico que esses escribas já não produzam um único centímetro de texto para as publicações. Não devem ter grana para comprar os trajes exigidos nas reuniões de pauta.
Osmar Freitas Jr. -
de Nova York
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