ENTRESSEIO

s.m. 1-vão, cavidade, depressão. 2-espaço ou intervalo entre duas elevações. HUMOR, CURIOSIDADES, UTILIDADES, INUTILIDADES, NOTÍCIAS SOBRE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE BENS CULTURAIS, AQUELA NOTÍCIA QUE INTERESSA A VOCÊ E NÃO ESTÁ NO JORNAL QUE VOCÊ COSTUMA LER, E NEM DÁ NA GLOBO. E PRINCIPALMENTE UM CHUTE NOS FUNDILHOS DE NOSSOS POLÍTICOS SAFADOS, SEMPRE QUE MERECEREM (E ESTÃO SEMPRE MERECENDO)

28 abril, 2011

CULTURA, PATRIMÔNIO CULTURAL E HISTÓRICO - 28-4-11

Um tesouro arqueológico no Rio de Janeiro
Entrevistamos a arqueóloga da equipe que encontrou as ruínas do maior porto de entrada de escravos no Brasil
O projeto Porto Maravilha pretende revitalizar a Zona Portuária do Rio de Janeiro, preparando a cidade para as Olimpíadas de 2016. Além de abrir as portas da cidade para o futuro, as obras revelaram um tesouro do passado. No começo de março, arqueólogos encontraram no local ruínas de Cais do Valongo, principal porto de entrada de escravos no País durante o início do século 19. Tania Andrade Lima, arqueóloga do Museu Nacional, que supervisionava as obras, conversou com revista GALILEU sobre a descoberta. Confira o papo:
GALILEU: Como vocês se envolveram no projeto?
Tania Andrade Lima: Toda obra maior que adentre o subsolo é obrigada, por determinação legal, a ter um monitoramento arqueológico. O Museu Nacional foi chamado a fazer o monitoramento dessa obra. Nós já sabíamos que existia um sítio arqueológico na área. Todo mundo sabe que ali foi construído o Cais da Imperatriz. No local, existe uma coluna comemorativa da chegada da Imperatriz Teresa Cristina Maria em 1843. Esse cais foi construído em cima do Valongo. O que não se sabia é se, com as sucessivas reformas urbanas pelas quais o Rio passou no inicio do século XX, ainda haveria remanescentes do Cais.

Crédito: Tania Andrade Lima

GALILEU: E o que vocês encontraram?
Tania: Encontramos primeiro o Cais da Imperatriz: uma rampa de pedras, escadarias, tudo em um piso muito bem trabalhado. Continuamos escavando em busca do Valongo. Sessenta centímetros abaixo do cais da Imperatriz, encontramos o que buscávamos. Era um piso de pedras irregulares, porque ninguém fazia nada caprichado para escravos. Ainda não conseguimos delimitar tudo, mas já abrimos uma área muito grande. O Valongo está mais bem preservado que o Cais da Imperatriz. Encontramos muitos objetos que pertenciam aos escravos, inclusive objetos relacionados às suas práticas mágico-religiosas. Achamos muitos adornos, o que não é comum na arqueologia brasileira. O que se encontra geralmente são os cachimbos de barro que eles usavam – o que também encontramos aos montes. Mas achamos outros artefatos menos comuns. Encontramos búzios usados em práticas divinatórias. Temos uma boa quantidade de adornos de contas, usados como amuletos ligados à proteção do corpo.
GALILEU: Por que vocês estavam procurando justamente o Cais do Valongo?
Tania: Porque foi por onde centenas de milhares de africanos entraram para serem escravizados no Brasil. O Cais foi vítima de uma amnésia social deliberada, porque, no momento em que a noiva do futuro imperador chega no Brasil, se escolhe justamente aquela zona para destruir. Ela era considerada uma chaga na cidade, o comércio de carne humana era feito ali em condições absurdamente abjetas. Os estrangeiros que viam isso ficavam horrorizados com a aparência execrável do local. A vinda da imperatriz é aproveitada para reformar o local e construir o Cais da Imperatriz.
GALIEU: Qual era exatamente o tamanho do Valongo?
Tania: Ele era um complexo, que envolvia o lugar da chegada dos escravos e a Rua do Valongo, onde era realizado o comércio, com várias casas, de comerciantes. Além disso, havia um lazaredo, local onde os negros que chegavam eram obrigados a ficar em quarentena por conta de doenças epidêmicas que poderiam ter. Aqueles que morriam ou chegavam semimortos, eram enterrados no cemitério do Valongo. Era todo um complexo que lidava com o negócio da escravidão.
GALILEU: Por que é importante encontrar um lugar desses?
Tania: O Valongo é um local de forte significado simbólico para os afrodescendentes, porque seus antepassados entraram no País por ali. Já ouvi muitos se referirem a Palmares como um solo sagrado. Mas eu sempre vi as pedras do Valongo como mais sagradas, porque foi ali que eles pisaram no País pela primeira vez, para serem brutalizados de todas as formas possíveis.

Crédito: Tania Andrade Lima

Guilherme Rosa
Galileu

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