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27 junho, 2011

CULTURA, PATRIMÔNIO CULTURAL E HISTÓRICO - 27-6-11

Submersa há 70 anos, cidade histórica do Rio volta à tona
Setenta anos após ser lançada ao ostracismo, distrito de São João Marcos inaugura hoje o primeiro centro arqueológico urbano do Estado


A ingreja da Matriz. Reza a lenda que o único homem que aceitou participar da explosão da capela ficou corcunda
Da riqueza e desenvolvimento à miséria. Do posto de “exemplo intacto de arquitetura colonial” a uma área submersa e reduzida a escombros, o pequeno distrito fluminense de São João Marcos jamais esmoreceu. Lendas parecem ter surgido como escudo de proteção ao lugar. “O homem que implodiu a igreja da Matriz ficou corcunda”, reverbera uma delas. Nesta quinta-feira (9), a cidade será reinaugurada. Não como porto seguro para quem busca casa no campo, discos e livros. Adornada por ruínas que se mantiveram fiéis à História, será o primeiro sítio arqueológico urbano do Rio.
Depois de ostentar a glória de ter sido o segundo município mais populoso do Estado, com cerca de 20 mil habitantes (no século 19), e de ser o primeiro do País tombado pelo valor arquitetônico de suas construções pelo então Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), São João Marcos – na região do Vale do Paraíba – foi esvaziado para dar lugar a uma barragem (no século 20). Na época, 1940, o presidente Getúlio Vargas queria superar os entraves que impediam o progresso da capital.

O que sobrou da igreja

Era preciso gerar energia elétrica e melhorar o abastecimento de água do então distrito federal, e coube a São Marcos dar à luz esse sonho. Engenheiros da Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company, a companhia de eletricidade do Estado, concluíram que a melhor opção seria criar uma represa e uma hidrelétrica na região. Mas São Marcos estava no meio do caminho. Para o projeto ir à frente, seria necessário inundar a maior parte da cidade (pelo menos 90 fazendas).
Para afugentar os moradores que insistiam em ficar na parte que não foi inundada, a arquitetura local – “destombada” pelo próprio Vargas – foi pelos ares. Nem o cemitério ficou imune (este, em vez de implodido foi remanejado). “Depois disso apareceram certas árvores na cidade, conhecidas como mulungus, que dão flores vermelhas. A população local acredita que é o sangue de moradores tristes com o fim do lugar”, conta Luiz Felipe Younes, coordenador do parque.
“Poucos sabem o que aconteceu”, diz patrocinador

Teatro Tibiriça

O hoje distrito de Rio Claro já foi o município mais rico do Rio. Produzia anualmente 2 milhões de arrobas de café. Fundado em 1733, por bandeirantes, não levou muito tempo para crescer.
Em pleno século 18 dispunha de teatro, escola, delegacia e estrada de pedra que recebiam artistas de óperas e músicos conhecidos naquele período. Famílias abastadas contavam com preceptores estrangeiros para garantir educação a seus rebentos. Barões e escravos tinham suas próprias igrejas. O bem-estar da população não era geral mas garantiria um bom IDH, se o índice já existisse.
Com a abolição, São João Marcos sofreu o primeiro golpe: perdeu espaço para São Paulo, que passou a dominar a produção cafeeira. Seguiu ladeira abaixo e, no século seguinte, foi obrigada até a abrir mão do status de cidade. O Sphan bem que tentou dar uma força com o tombamento, mas não teve jeito. As águas rolaram.
“Poucos sabem o que aconteceu a essa cidade que, por estar situada às margens da Barragem de Ribeirão das Lajes, teve sua história definida por decisões do governo Vargas”, diz, por e-mail, Jerson Kelman, presidente da Light, empresa que sucedeu a Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company. A iniciativa de preservar as ruínas foi da empresa e recebeu apoio – via incentivos fiscais – do governo do Rio. Foram investidos R$ 5,8 milhões.

E o que restou do teatro

Parque espera receber 3 mil visitantes por ano
Terra natal do ex-prefeito Pereira Passos e do ex-ministro e imortal Ataulfo de Paiva, São João não perde seus marcos. Abandona de vez a pecha de cidade fantasma e se torna a primeira no Estado a ser totalmente resgatada por meio de pesquisas históricas e trabalhos arqueológicos. “É um projeto pioneiro que opera a mágica de recuperar uma cidade desaparecida, mas de história tão rica, através de atividades de arqueologia, museografia e museologia”, afirmou por e-mail a secretária de Cultura Adriana Rattes.
De acordo com o coordenador do parque, Luiz Felipe Younes, apesar da construção da barragem e das implosões, as construções não ficaram completamente sob águas ou encobertas pela Mata Atlântica - embora 72 fazendas permaneçam submersas. Segundo ele, os turistas terão a oportunidade de viajar no tempo durante um circuito pela antiga cidade.
A visitação inclui o ossuário da Igreja Matriz, parte da estrutura do Teatro Tibiriçá, trechos da antiga Estrada Imperial e suas pontes de pedra, além de cerca de duas mil peças descobertas nas escavações como louças, moedas, objetos pessoais, porcelanas e tijolos mais brutos.
O parque, localizado a 128 km da capital fluminense, conta com 930 mil metros quadrados. São 3 quilômetros com sinalização (de posição, ambiental, histórica e arqueológica). Historiadores, museólogos, arqueólogos, arquitetos, paisagistas, passaram quatro anos dedicados à missão.
Conhecer o lugar não custa nada. A entrada é franca. As visitações poderão ser feitas de quarta-feira a domingo, das 10h às 16h. Será preciso percorrer dois quilômetros da Estrada Imperial (que ligava Minas Gerais à cidade litorânea de Mangaratiba, no Rio).
Além de trilhas e das ruínas históricas da ex-cidade – passeio que dura cerca de 40 minutos –, os turistas encontrarão um Centro de Memória que conta de forma lúdica o passado, além dos resultados das pesquisas históricas e arqueológicas. Há ainda um anfiteatro e cafeteira.
Flávia Salme, iG Rio de Janeiro
Último Segundo
Foto: Acervo Light
Foto: Acervo Light
Foto: Acervo Light
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