ENTRESSEIO

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28 maio, 2008

RESTAURADOR TRANSFORMA ENCRENCA EM LIVROS NOVOS

Há mais de 40 anos, professor restaura publicações raras em São Paulo. Acervo com peças do século XIX está na mira do Museu do Ipiranga.
Gaudêncio e uma pilha de livros para restaurar. Material que ele utiliza está na 'mira' do Museu do Ipiranga (Foto: Carolina Iskandarian/G1)



Tudo começou com uma travessura de criança e hoje o paulistano Tércio Ferdinando Gaudêncio, de 63 anos, é um dos únicos no Brasil a dominar a técnica de restauração de livros raros. As últimas quatro décadas passou mergulhado em papéis, ferramentas, substâncias químicas e máquinas usadas para deixar o que ele chama de “encrenca” com cara de livro novo. Agora, todo esse equipamento, um verdadeiro tesouro, está na mira do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, o Museu do Ipiranga, em São Paulo. A idéia é criar uma exposição permanente, mas o projeto esbarra na falta de patrocínio.
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“Precisamos de apoio para a manutenção e a exposição do material”, explica Gaudêncio. Ele está falando de máquinas pesadíssimas, algumas do século XIX, usadas para prensar livros e cortar papéis. Está falando de mais de 27 mil florões, espécie de carimbos usados para adornar as encadernações. São peças únicas, segundo o restaurador, feitas em cobre, chumbo, latão e outros materiais. Há ainda os papéis, as pequenas ferramentas, os microscópios.


O restaurador tem cerca de 27 mil florões em sua oficina (Foto: Carolina Iskandarian/G1)


Assim que as arestas forem acertadas com o museu, esse tesouro deve deixar o aconchegante sobrado de Gaudêncio, na Zona Norte, onde ele mora desde que nasceu. Nada que deixe o restaurador desanimado. “Isso aqui é a minha vida. Eu vivo disso. Tive um sonho e realizei esse sonho”, admite.
Mas Gaudêncio, membro fundador da Associação Brasileira de Encadernação e Restauro e integrante de entidades semelhantes no exterior, também sabe que tudo ali está se perdendo, já que não tem seguidores. "Essa é uma profissão que requer conhecimento técnico e no Brasil a remuneração é muito baixa." Quando sua “oficina” virar vitrine, engana-se quem pensa que o restaurador vai se aposentar. “Vou ter uma vida mais sossegada, vou ensinar. Quero passar tudo o que eu tenho e não levar nada para o túmulo”, afirma Gaudêncio, que tem convite para ministrar um curso permanente de restauração de livros na Universidade de São Paulo (USP). Ele se diz favorável à proposta, mas só quer dar o próximo passo quando seu acervo estiver no museu.
Doação patrocinada

A prensa-martelo é uma das máquinas usadas pelo professor (Foto: Carolina Iskandarian/ G1)

A professora Solange Ferraz de Lima, historiadora e curadora do museu, classifica como "excepcional" a coleção de Gaudêncio, estimada em US$ 500 mil (cerca de R$ 824 mil). Junto com o professor, ela busca ajuda de empresas para levar as peças e montar a exposição, a chamada doação patrocinada. Para garantir os benefícios fiscais do patrocinador, o projeto deve ser incluído na Lei Rouanet.
"A coleção dele é realmente excepcional. Cobre um período longo dos séculos XIX e XX e cobre uma atividade do começo ao fim", conta Solange, que vê o trabalho do restaurador como algo "entre o artesanal e o industrial". A curadora estima que até o 2º semestre já tenha uma resposta favorável. Ela calcula que a exposição custaria em torno de R$ 1 milhão, porque, além da manutenção do acervo, é preciso criar ferramentas de multimídia que informem os visitantes.
A paixão pelo restauro, profissão não regulamentada pelas leis brasileiras, começou quando Gaudêncio tinha 12 anos. Querendo imitar o pai, resolveu “brincar de professor”. O livro caiu no chão, ficou todo danificado e o menino, com medo de levar bronca, correu para o Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo, onde sabia que havia restauradores. “Em vez de brigar comigo, meu pai ficou contente”, conta o professor, ao afirmar que ajudou a deixar o livro novo em folha.
Raridades
Publicações raras não faltam nas prateleiras desse paulistano de família italiana. “Tive a honra de restaurar a única coleção da Enciclopédia Iluminista de (Denis) Diderot”. Segundo Gaudêncio, os livros vão de 1751 a 1763. Também passou pela suas mãos o volume II de um livro que fala sobre Direito Público na França. O volume I, datado de 1845, já está à espera do restauro

"Ressucitar" o livro de registro de óbitos é um dos desafios (Foto: Carolina Iskandarian/G1)

Mais antiga ainda, a publicação francesa de 1732, sobre a história das revoluções durante a República Romana, ganhou cara nova: capa, florão e neutralização das páginas comidas por fungos. “Tenho clientes do mundo inteiro”, orgulha-se Gaudêncio, que diz cobrar metade de um profissional do ramo no exterior. O trabalho de restauração, dependendo da peça, pode custar até cinco mil euros. E levar tempo.
Gaudêncio calcula que levará pelo menos um ano para “ressuscitar” o livro de registro de óbitos da cidade de Assis, a 427 km de São Paulo. A publicação, única que registra a morte dos habitantes entre 1938 e 1988, chegou, literalmente, de ambulância. “A prefeitura estava trazendo um doente para São Paulo e passou aqui para deixar o livro”, conta, rindo.
Apesar da ironia, o problema é grave. Do que um dia foi um livro, restou uma capa velha e pedacinhos de papel com nomes cortados. “É um quebra-cabeça”, diz Gaudêncio, que pretende restaurar a publicação e passá-la também para DVD. Uma garantia de que não verá mais aquele livro em sua oficina.
Carolina Iskandarian
Globo.com – G 1

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