CULTURA, PATRIMÔNIO CULTURAL E HISTÓRICO - 11-8-10
Novas tecnologias ajudam pesquisadores na restauração e na conservação de bens históricos
O Brasil tem acompanhado tendência de maior especialização na área
Três fases da obra: identificação, remoção das camadas que escondem a obra e restauro respeitando a técnica original
Belo Horizonte – As novas tecnologias e o desenvolvimento científico têm sido as principais ferramentas para preservação e recuperação de monumentos históricos de valor incalculável. Professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretora do Centro de Conservação de Restauração de Bens Culturais da Escola de Belas Artes (Cecor), Bethânia Reis Veloso lembra que este é um trabalho que exige dos especialistas conhecimento e senso crítico para analisar a situação de cada obra, fachada ou estrutura. Muitas delas, ao relento, ficam expostas à ação do sol, do vento, da chuva, da maresia, sem contar com intervenções inadequadas, o que provoca danos. O diagnóstico dos problemas pode ser oferecido com eficiência, por meio de técnicas cada vez mais avançadas, possibilitadas pela ciência.
No Brasil, ela observa, a maior parte dessas obras são produzidas com ferro, pedra, madeira, cimento e vidro. Estudos detalhados indicam formas de paralisação de degradação biológica, química, eliminação de insetos, para início da restauração física dos objetos ou estruturas arquitetônicas. “Parece simples, mas não é. As avaliações precisam ser feitas a partir da proposta da obra, do conceito desenvolvido pelo artista. Se a restauração não levar em conta este elemento, o trabalho não se justifica.”
Para a busca dessas informações — técnicas e subjetivas —, equipamentos de alta precisão são utilizados, afirma a professora Eliana Ambrósio, especialista em restauração e conservação. As lâmpadas de vapor de sódio, com luz amarelada, realçam detalhes dos traços, no caso de pinturas. Com os raios X, é possível conhecer internamente as condições da obra, raios ultravioletas revelam intervenções e análises químicas, realizadas em laboratório, confirmam tipos de pigmentos, bases de preparação do objeto, ataques de fungos e de bactérias, entre outros elementos essenciais para a recuperação.
“As pesquisas para descobertas desses recursos estão muito avançadas no país, muito em razão do crescente interesse dos profissionais, que se dispõem a fazer cursos no exterior, pelo incentivo de fundações como a Vitae, que promovem acessos a simpósios, e pelos programas que permitem a troca de experiências entre os técnicos. Outro ponto importante foi a criação de cursos de graduação específicos”, diz a especialista, que chama atenção para a necessidade de qualificação constante da mão de obra, além da produção de conhecimentos a partir da realidade local. “Isso impulsiona inclusive a indústria, que fica mais atenta à descoberta de produtos.” Segundo Eliana Ambrósio, a abertura das universidades para os cursos de restauração e conservação de monumentos é uma tendência mundial nos últimos 20 anos, e que recentemente também influencia o Brasil.
Professora que ministra cursos de materiais e técnicas e restauração de papel, ela observa que o diagnóstico da degradação é o primeiro passo para a recuperação eficiente, que respeita o conteúdo e não apenas a forma do monumento. “Com todas as tecnologias e os produtos disponíveis na indústria, hoje é possível realizar teste, observar como se dá o envelhecimento das obras, como o novo material vai se comportar com o material antigo. Existem resinas acrílicas, tintas cada vez mais sofisticadas”, diz.
Eliana Ambrósio observa ainda que, apesar de todos os recursos disponíveis, essa é uma área que exige sensibilidade do poder público, da iniciativa privada e da população, de modo geral, tanto para a facilitação do acesso aos recursos que devem ser destinados ao cuidado de patrimônios culturais como para a criação de políticas de preservação, que mostrem aos cidadãos a maneira mais adequada para lidar com verdadeiras obras de arte que fazem parte das cidades e estão no cotidiano das pessoas.
A diretora do Cecor, Bethânia Veloso, defende que o aumento dos recursos científicos precisa ser acompanhado do desenvolvimento metodológico. “Num país tropical, é preciso analisar incidência de luz, localização da obra, efeitos da poluição, temperatura e grau de exposição”, explica. Ela lembra que o estudo das degradações deve considerar motivações internas e externas, e que qualquer projeto de restauração tem que avaliar como o bem cultural está integrado à realidade social, a sua importância para a população e relevância histórica. “Esses cuidados são fundamentais, com associação das possibilidades científicas com os interesses sociais.”
Adriano Ramos, um dos fundadores do Grupo Oficina de Restauro, com Maria Regina Ramas e Rosângela Costa, presta serviços na área de preservação e restauração de bens móveis e arte aplicada, além de treinamento e capacitação de mão de obra especializada, em Belo Horizonte. A empresa, que atua diretamente com a preservação do patrimônio cultural desde 1987, compara restauradores aos médicos. “Partimos do diagnóstico para propor o tratamento das obras. Só assim podemos detectar com eficácia os agentes deterioradores”, diz. A colaboração da ciência, nesse caso, ele reforça, tem papel determinante. “Os materiais estão se modificado de maneira muito veloz. Em alguns casos, encontramos produtos químicos e materiais fantásticos, além de pigmentos, tintas prontas, colas e removedores inimagináveis há poucos anos. Com a globalização, o acesso a estas informações é cada vez maior.”
Algumas técnicas
» Lâmpada de vapor de sódio: luz amarelada, que realça detalhes de desenho, no caso de pintura, além de estruturas e linhas.
» Raios X: permitem confirmar o tipo de material utilizado no interior da obra, se há ataque de cupim, pintura anterior à aparente, se o artista trabalhou em camadas.
» Ultravioleta: luz azulada que, em sala escura, revela por meio de fluorescências outras intervenções de restauração e problemas de degradação.
» Análises químicas: reagentes sofisticados revelam tipos de bases de preparação e pigmentos, e existência de fungos, entre outros elementos.
FONTES: Grupo Oficina de Restauro e Cecor
Fachada do prédio do Museu das Minas e do Metal
O prédio foi pintado com tinta à base de látex. A equipe de restauração utilizou tinta à base de cal, que era muito usual nos anos de 1950, e adquiriu aparência nobre, aveludada. Todo o trabalho foi realizado com acompanhamento do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha). O resultado plástico recuperou características originais do imóvel.
Janaina Cunha Melo
Correio Brasiliense
Cursos de restauração ainda são escassos
Em Londrina, as técnicas de restauração estão inseridas na grade curricular das faculdades de arquivologia e biblioteconomia da UEL
Restaurar livros, documentos, periódicos, fotografias, obras de arte, móveis e edificações é preservar a história individual e coletiva e garantir que as memórias pessoais e a cultura de uma cidade, estado ou nação não se percam no tempo. Mas se a área de atuação de um restaurador é ampla, os cursos de formação específica ainda são escassos. Em Londrina, não há cursos de nível médio, graduação ou especialização que trabalhem a técnica. A opção são as faculdades de biblioteconomia e arquivologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), que mantêm em sua grade curricular disciplina específica sobre preservação e restauração de documentos.
Os profissionais que se formam pela instituição não são considerados restauradores, mas possuem conhecimentos específicos para atuarem no segmento. “A disciplina aponta os caminhos para saber quais agentes deterioram a documentação e os livros, medidas de conservação, como alcançar uma maior durabilidade, tratamentos e cuidados em geral. Mas quem quer se aperfeiçoar nesse ramo tem que procurar uma especialização fora da cidade”, afirmou a docente da UEL, Maria Aparecida Lopes.
Segundo ela, é grande o interesse dos alunos pela disciplina, que oferta aulas práticas e teóricas. “Atualmente, as aulas práticas são opcionais para ambos os cursos, mas há um tempo não era assim. Há um número grande de alunos que desejam participar das atividades.” Devido a grande procura, a partir de 2010 a disciplina volta a ser obrigatória no currículo de arquivologia.
Apesar do interesse crescente dos graduandos pela restauração, a atividade ainda não é tão lucrativa. “A demanda não é grande para a recuperação de livros e documentos. Apesar de a cidade ser relativamente nova, com apenas 75 anos, não há devida valorização histórica das coisas”, disse a professora aposentada Yara Maria da Costa Prazeres.
Na oficina de restauro de Yara, a maior demanda é pela conservação de peças de valor afetivo e sentimental. “Tem gente que quer recuperar certidão de casamento, livros especiais. Há também aqueles que querem a encadernação comercial, que particularmente eu não gosto e procuro não fazer, que são as teses de monografia.”
Há quatro anos, Yara realizou um trabalho de recuperação do primeiro jornal impresso de Londrina, o Paraná Norte, fundado em 1934. Mais de 2 mil folhas do periódico foram recuperadas. “É um trabalho minucioso e detalhista que exige capricho de quem o exerce.”
De acordo com a restauradora, qualquer pessoa pode exercer a atividade desde que tenha habilidades específicas e conhecimentos teóricos. “É um trabalho artesanal”, apontou ela. “Mesmo que os estudantes não atuem como restauradores, vão saber contratar pessoas e empresas terceirizadas adequadas para realizar o serviço”, complementou a professora Maria Aparecida Lopes.
Falta mão de obra especializada
Aos 19 anos de idade, Ailton Dias Irineu aprendeu as técnicas de restauração de móveis. Na época, ele vivia em São Paulo e foi o patrão quem ensinou o ofício ao jovem trabalhador. Passados 23 anos, Irineu conta que hoje o que não lhe falta é trabalho. “O final de ano é bem corrido. Tenho encomendas já para janeiro e fevereiro”, contou.
As atividades realizadas em sua oficina de restauração ficam por conta da família. Além dele, no local trabalham também o irmão e o sobrinho. O restaurador vê dificuldade em encontrar mão de obra especializada para exercer a função. “Às vezes, preciso de gente para trabalhar aqui, mas não acho. Ninguém quer trabalhar com isso mais”, lamentou Irineu.
Ele acredita, no entanto, que atualmente as pessoas têm valorizado mais os objetos antigos. “Hoje, as peças são feitas de materiais que não são resistentes. Quase não se tem móveis de madeira, que duram muito mais”, comparou. De acordo com Irineu, os clientes, em sua grande maioria, o procuram para “ressignificar” os móveis antigos que têm valor sentimental. “Semana passada, recuperei uns móveis que tinham mais de 80 anos. Estavam com a família há muito tempo”, contou o restaurador.
Juliana Leite
Jornal de Londrina
Fachada do prédio do Museu das Minas e do Metal: antes e depois Marcadores: cultura, patr. cultural, patr. histórico
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